A pequena Ana
mantinha seus olhos regalados em direção do seu guarda-roupa. A
porta quase aberta lhe dava uma visão obscura do interior do móvel.
Era uma menininha assutada em um mundo escuro.
Eram onze horas da
noite quando Ana deu três batidas na porta do quarto dos pais. Ela
chorava, segurando sua boneca, enquanto olhava para trás.
Era sempre assim,
toda as noites já fazia uma semana. Ana dormia entre os pais, em
segurança, longe das trevas de seu quarto. Uma menininha perdida em
um pesadelo quase real.
***
Pedro se deliciava em
risadas enquanto sua irmã agarrava com força a boneca. Eram risadas
sádicas de um péssimo irmão.
- Você já viu o
monstro? - ela perguntou.
- Claro, e ele adora
comer crianças como você. - ele respondeu.
Histórias assim
mantinham Ana atenta quanto ao guarda-roupa de seu quarto. Ela
entrava no móvel, vasculha, bagunçava, explorava, mas não havia
monstro e nenhuma criatura assustadora. Mesmo assim ainda era uma
criança de grande imaginação e não deixava de se assustar com
essas histórias.
- Essa fase vai
passar. - o pai dizia.
Aquela noite chuvoso
de sábado seria como qualquer outra. Ana dormiria no quarto de seus
pais. Mas a garota, esperta, foi mais cedo para o quarto deles
sabendo que os dois haviam saído pra uma festa. Algo relacionado com
o trabalho do pai.
Era como um
animalzinho escondido debaixo das cobertas, sem mexer um músculo.
Mas de ouvidos bem abertos.
Foi uma boa noite
para Ana.
Até que eles
chegaram. Ana se recordou que o pai e a mãe estavam um pouco
diferentes, com algo engraçado na fala, como se estivessem com sono
mas ainda pulando de alegria.
- Vamos ver como
estão as criança. - disse a mãe.
- Não, deixa pra
lá, vamos pro quarto logo… - o seu marido respondeu.
Ana, sem poder ver
nada, tinha apenas a audição para capturar o que seus pais estavam
fazendo. Mas ela não entendeu nada que ouvia, pois eles só riam e
gemiam de uma forma “esquisita”.
Ela tentou não se
mover, mas sua mãe acabou percebendo aquele volume debaixo do
edredom. Levantou o pano para revelar um Aninha encolhida e
assustada, agarrando sua boneca. Seus pais tão constrangidos nem
sabiam o que falar.
Apenas uma menina
com medo de monstros.
***
Numa manhã cheia de
sol Ana não foi à escola pois estava doente. Era um resfriado muito
forte que a obrigou a ficar em casa. Depois de voltar do médico, sua
mãe disse pra não sair do seu quarto, descansar e tomar os remédios
receitado pelo Dr. Rogério.
Ana não gostava de
ficar em casa. Escola era uma diversão e lá fora havia um mundo
todo pra brincar. Mas ele tinha que ficar no quarto junto com o…
guarda-roupa.
Seu irmão mais
velho, Pedro, estava na escola e seu pai no trabalho. Só sobrara sua
mãe em casa e, como Ana era curiosa, se atreveu a sair do quarto e
espiar ela.
Ana abriu a porta só
um pouquinho, mas o som da casa todo ela pôde ouvir. Sua mãe estava
na sala, falando no telefone bem baixinho.
- Eu sei, amiga, mas
ele é um pai ausente… - disse a mãe.
Ana ouvia tudo.
- Não sei se o amo
como antes… muita coisa mudou…
Ana não podia
acreditar.
- Eu tenho pena dos
nossos filhos… se nos separássemos, o que aconteceria?
Ana, tapando as
orelhas, correu pro seu quarto e fechou a porta. Ela ouviu mais do
que devia. Sua mãe escondia algo de seu pai… uma verdade muito
dura.
Ela olhou pro seu
guarda-roupa pela primeira vez com admiração. Não era tão
assustador como antes. Tinha algo bonito nele. Ela entrou no
guarda-roupa e fechou a porta. Era quentinho lá dentro.
***
Guarda-roupas não
eram tão ruins quanto Ana achava, e ela ficou muito maravilhada com
isso! O seu era quentinho de entrar, e o silêncio e escuridão do
interior até que eram confortantes. O do irmão era bem mais frio,
mas ainda assim fofinho.
O dos pais era o
melhor de se explorar, porque era bem grande! Tantas portas, gavetas,
tinha até um espelho.
Mas é claro que ela
só mexia no guarda-roupa dos pais quando ninguém via. E aquele era
o dia perfeito. Seu irmão tinha saído pro jogo, seu pai estava
dormindo no sofá e sua mãe viajou pra casa da tia.
Ana estava
particularmente interessada nas meias do pai. Isso até ela ouvir uns
barulhos vindos da sala. Seu pai havia acordado, aparentemente.
Fechando a gaveta,
ela se trancou no lugar mais seguro do quarto: o guarda-roupa.
Esperando não ser encontrada, ali ela ficou.
Então a porta abriu
e lá estava seu pai. Ana via tudo por uma brecha da junto do
guarda-roupa. Seu pai estava, de novo, engraçado, só que estava
muito estranho também.
Um tempo depois
entrou uma mulher que não era a mamãe. Era mais alta e mais
elegante, Ana percebeu. Era loira e tinha olhos verdes.
E eles se beijaram
ali. Ana fechou os olhos e não deu um pio. Todas essas coisas
estranhas acontecendo com os pais dele era demais para a pequena.
Ela, ainda assim, se sentiu muito segura dentro do guarda-roupa.
Apesar dos olhos
fechados, ela ainda ouvia tudo. E os dois, seu pai e a mulher,
começaram aqueles fazer sons esquisitos e a falar coisas que Ana não
entendia, palavras em um tom pesado, quase raivoso.
Foi que Ana se
atreveu a olhar e ela viu os dois sobre a cama. Seu pai estava nu e a
mulher também. Mas Ana reparou algo de estranho nela, algo muito
curioso. A mulher era, em um certo aspecto, muito parecido com o pai
de Ana.
Chocada, a pequena
agarrou um vestido longo que estava jogado ali dentro e usou pra
tapar os ouvidos.
Ela agora estava em
total silêncio, envolvida na escuridão. Ana se sentiu segura.
Uma menininha
perdida em um sonho sombrio.
FIM