14 de setembro de 2017

Ana

A pequena Ana mantinha seus olhos regalados em direção do seu guarda-roupa. A porta quase aberta lhe dava uma visão obscura do interior do móvel. Era uma menininha assutada em um mundo escuro.

Eram onze horas da noite quando Ana deu três batidas na porta do quarto dos pais. Ela chorava, segurando sua boneca, enquanto olhava para trás.

Era sempre assim, toda as noites já fazia uma semana. Ana dormia entre os pais, em segurança, longe das trevas de seu quarto. Uma menininha perdida em um pesadelo quase real. 

***
 
Pedro se deliciava em risadas enquanto sua irmã agarrava com força a boneca. Eram risadas sádicas de um péssimo irmão.

- Você já viu o monstro? - ela perguntou.

- Claro, e ele adora comer crianças como você. - ele respondeu.

Histórias assim mantinham Ana atenta quanto ao guarda-roupa de seu quarto. Ela entrava no móvel, vasculha, bagunçava, explorava, mas não havia monstro e nenhuma criatura assustadora. Mesmo assim ainda era uma criança de grande imaginação e não deixava de se assustar com essas histórias.

- Essa fase vai passar. - o pai dizia.

Aquela noite chuvoso de sábado seria como qualquer outra. Ana dormiria no quarto de seus pais. Mas a garota, esperta, foi mais cedo para o quarto deles sabendo que os dois haviam saído pra uma festa. Algo relacionado com o trabalho do pai.

Era como um animalzinho escondido debaixo das cobertas, sem mexer um músculo. Mas de ouvidos bem abertos.

Foi uma boa noite para Ana.

Até que eles chegaram. Ana se recordou que o pai e a mãe estavam um pouco diferentes, com algo engraçado na fala, como se estivessem com sono mas ainda pulando de alegria.

- Vamos ver como estão as criança. - disse a mãe.

- Não, deixa pra lá, vamos pro quarto logo… - o seu marido respondeu.

Ana, sem poder ver nada, tinha apenas a audição para capturar o que seus pais estavam fazendo. Mas ela não entendeu nada que ouvia, pois eles só riam e gemiam de uma forma “esquisita”.

Ela tentou não se mover, mas sua mãe acabou percebendo aquele volume debaixo do edredom. Levantou o pano para revelar um Aninha encolhida e assustada, agarrando sua boneca. Seus pais tão constrangidos nem sabiam o que falar.

Apenas uma menina com medo de monstros.

***
 
Numa manhã cheia de sol Ana não foi à escola pois estava doente. Era um resfriado muito forte que a obrigou a ficar em casa. Depois de voltar do médico, sua mãe disse pra não sair do seu quarto, descansar e tomar os remédios receitado pelo Dr. Rogério.

Ana não gostava de ficar em casa. Escola era uma diversão e lá fora havia um mundo todo pra brincar. Mas ele tinha que ficar no quarto junto com o… guarda-roupa.

Seu irmão mais velho, Pedro, estava na escola e seu pai no trabalho. Só sobrara sua mãe em casa e, como Ana era curiosa, se atreveu a sair do quarto e espiar ela.

Ana abriu a porta só um pouquinho, mas o som da casa todo ela pôde ouvir. Sua mãe estava na sala, falando no telefone bem baixinho.

- Eu sei, amiga, mas ele é um pai ausente… - disse a mãe.

Ana ouvia tudo.

- Não sei se o amo como antes… muita coisa mudou…

Ana não podia acreditar.

- Eu tenho pena dos nossos filhos… se nos separássemos, o que aconteceria?

Ana, tapando as orelhas, correu pro seu quarto e fechou a porta. Ela ouviu mais do que devia. Sua mãe escondia algo de seu pai… uma verdade muito dura.

Ela olhou pro seu guarda-roupa pela primeira vez com admiração. Não era tão assustador como antes. Tinha algo bonito nele. Ela entrou no guarda-roupa e fechou a porta. Era quentinho lá dentro.

***
 
Guarda-roupas não eram tão ruins quanto Ana achava, e ela ficou muito maravilhada com isso! O seu era quentinho de entrar, e o silêncio e escuridão do interior até que eram confortantes. O do irmão era bem mais frio, mas ainda assim fofinho.

O dos pais era o melhor de se explorar, porque era bem grande! Tantas portas, gavetas, tinha até um espelho.

Mas é claro que ela só mexia no guarda-roupa dos pais quando ninguém via. E aquele era o dia perfeito. Seu irmão tinha saído pro jogo, seu pai estava dormindo no sofá e sua mãe viajou pra casa da tia.

Ana estava particularmente interessada nas meias do pai. Isso até ela ouvir uns barulhos vindos da sala. Seu pai havia acordado, aparentemente.

Fechando a gaveta, ela se trancou no lugar mais seguro do quarto: o guarda-roupa. Esperando não ser encontrada, ali ela ficou.

Então a porta abriu e lá estava seu pai. Ana via tudo por uma brecha da junto do guarda-roupa. Seu pai estava, de novo, engraçado, só que estava muito estranho também.

Um tempo depois entrou uma mulher que não era a mamãe. Era mais alta e mais elegante, Ana percebeu. Era loira e tinha olhos verdes.

E eles se beijaram ali. Ana fechou os olhos e não deu um pio. Todas essas coisas estranhas acontecendo com os pais dele era demais para a pequena. Ela, ainda assim, se sentiu muito segura dentro do guarda-roupa.

Apesar dos olhos fechados, ela ainda ouvia tudo. E os dois, seu pai e a mulher, começaram aqueles fazer sons esquisitos e a falar coisas que Ana não entendia, palavras em um tom pesado, quase raivoso.

Foi que Ana se atreveu a olhar e ela viu os dois sobre a cama. Seu pai estava nu e a mulher também. Mas Ana reparou algo de estranho nela, algo muito curioso. A mulher era, em um certo aspecto, muito parecido com o pai de Ana.

Chocada, a pequena agarrou um vestido longo que estava jogado ali dentro e usou pra tapar os ouvidos.

Ela agora estava em total silêncio, envolvida na escuridão. Ana se sentiu segura.

Uma menininha perdida em um sonho sombrio.

FIM