30 de março de 2017

O Marinheiro



O barco de meu pai... barco pesqueiro, pequeno, humilde, mas tão resistente. Por anos ele me carregou, pelas águas escuras e calmas, pela claras e violentas. Sob o sol forte, sob a tempestade mais tirana... o horizonte parecia muito distante e tão presente ao mesmo tempo.

Algumas vezes, o mar nos levava ao canto mais remoto e silencioso do mundo. Um lugar sem medo, sem preocupações, só Deus e o Homem.

Mas a vida não é fantasia, nem para os mais sonhadores. Alguns homens podem cair na loucura.

Eu ainda não era homem feito quando meu pai pegou sua embarcação e simplesmente foi embora, deixando tudo. Pelo meu bem, ele me deixou e disse que aquele não era o fim. Não foi.

Lancei-me ao mar assim que pude.

Os lugares onde nunca fomos, onde ninguém foi, onde ninguém nunca quis estar.... eu estive nesses lugares. Eu vi Deus virar água e abrir caminha pelo Oceano. Sereias me saldavam e atormentavam, todas me cantando canções belas e terríveis. Os monstros marinhos eram o pior, como se o covil da maldade estive sob o azul pacífico das mais serenas águas.

No começo eu tinha esperanças em rever meu velho pai, seu sorriso, sua historias... mas não ouvi nenhum relato dele. É como se tivesse sumido. Uma lembrança da minha mente que com o tempo se perdeu.

Por muitos anos eu viajei, me perdi, melhor dizendo. O mundo chegou a ter outro significado para mim. Eu virei um velho barbudo e vivido, com o corpo e a mente marcada pelo sal molhado e pelo vento cortante.

Foi quando, já no fim da vida, fiquei sabendo do lugar mais sagrado e misterioso dos mares. Era uma ilha além do frio da neblina e da onda mais alta. Os marinheiros da cidade me disseram que não passava de uma lenda, mas de onde vêm as lendas se não de uma realidade esquecida? Navegar já se transformara em algo tão comum para mim que eu não duvidava de mais nada que poderia existir no mundo molhado.

As historias que eu posso contar sobre essa minha jornada não caberiam neste relato. É como se a vida de mil marinheiros se resumissem a minha procura por esta misteriosa ilha. Fiquei uma vida toda sobrevivendo naquele grande azul, sendo levado pelas águas.

Eu quase perdi, quase. Pedi pela morte, ela não veio. Implorei a Deus, ele pareceu não responder.

Eu era velho, mas ainda tinha visão. Tive que dar ela a uma gaivota que passou por mim, ela devorou meus olhos e o animal me guiou a tal lugar amarrando um cordão de sua perna até o meu barco. Foi uma oferta de desespero, eu não aguentava mais esperar.

Mesmo cego, soube que estava me aproximando. A densa neblina congelando atravessando minha carne foi o sinal. Mais tarde, veio a maior onda do mundo, por qual somente eu consegui chegar ao outro lado pois a pobre gaivota foi carregada.

Depois de dias sob o claro e o escuro, o barco encalhou. Eu sai e me deitei nas areias grossas, tão aconchegantes. Ouvi risos, vozes de alegria, angelicais.

Alguém tocou no meu braço, aquela mesma mão familiar. Ele chegou perto do meu ouvi, senti sua respiração, e disse:

- Bem-vindo, filho.

E voltei a enxergar.

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