30 de agosto de 2017

Como Ficar Sabendo Quem Vai Vencer o Oscar Antes de Todo Mundo

Depois de muito estudo, eu cheguei a conclusão que é bem fácil saber quem irá vencer o prêmio do Oscar (ou Academy Award). Neste post eu vou basicamente explicar como identificar vários padrões visíveis em todas as edições do Oscar e poder ficar sabendo qual filme será o vencedor da noite.

Os elementos necessários para que um filme indicado ao Oscar possa vencer:

- Número de nomeações gerais
- Nomeações entre os Big 6
- Vitórias antes da abertura do envelope
- Vitórias entre os Big 6 antes da abertura do envelope
- Fator extra

Vamos nos aprofundar em cada um dos itens. Para isso, vamos usar a edição 2017 do Oscar como exemplo.

Os filmes que concorreram ao Oscar em 2017 foram:

Moonlight (venceu)
Nom. 8 (5 dos Big 6)
Vit. 2 (2 dos Big 6)

La La Land 
Nom. 14 (5 dos Big 6)
Vit. 6 (2 dos Big 6)

Manchester by the Sea
Nom. 6 (6 dos Big 6)
Vit. 2 (2 dos Big 6)

Arrival 
Nom. 8 (3 dos Big 6)
Vit. 1 (0 dos Big 6) 

Hacksaw Ridge
Nom. 6 (3 dos Big 6)
Vit. 2 (0 dos Big 6) 

Fences
Nom. 4 (4 dos Big 6)
Vit. 1 (1 dos Big 6)

Hidden Figures
Nom. 3 (3 dos Big 6)
Vit. 0

Hell or High Water
Nom. 4 (3 dos Big 6)
Vit. 0

Lion
Nom. 6 (4 dos Big 6)
Vit. 0 (0 dos Big 6)

Fonte:
89th Academy Award

Nomeações gerais

Na edição de 2017 do Oscar, La La Land teve quatorze nomeações, empatando com Titanic e Ben-Hur. O filme também foi o que mais ganhou estatuetas, levando seis. Porém, ele não foi o vencedor da noite. Moonlight, com seis nomeações a menos, foi escolhido pela academia.

A edição de 2017 foi uma exceção em que o mais nomeado não é o vencedor. É comum encontrar essas "bandeiras falsas", esses são filmes de larga escala nomeados em mais de dez categorias mas que acabam não levando o prêmio. Exemplos: The Revenant, Avatar, Life of Pi.

Fique atento aos filmes que receberem mais de oito nomeações, eles são grandes candidatos. Porém, nem sempre os mais nomeados são os que levam o Oscar de Melhor Filme. Alguns podem ser nomeados mais de dez vezes e não levar nenhum prêmio!

Nomeações entre os Big 6

Os Big 6 são as nomeações mais importantes do Oscar. São elas Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator/Atriz, Melhor Ator coadjuvante, Melhor Atriz coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado/Original.

Filmes com nomeações APENAS nestas categorias, como Annie Hall e Brooklyn, são muito bem vistos pela Academia e costumam se dar bem. Mas são os intermediários entre os épicos de larga escala já mencionados e estes filmes "menores" que se saem melhor.

Vitórias antes da abertura do envelope

Um segundo antes do anunciante abrir o envelope contendo o nome do filme vencedor, devemos dar uma olhada quais filmes venceram mais prêmios durante a noite. Em 1998, com Titanic não foi um problema. Porém, nem sempre os que mais venceram levam o Oscar de Melhor Filme [La La Land, The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, Mad Max: Fury Road].

Vitórias entre os Big 6 antes da abertura do envelope

Esse é importante. Filmes que vencem muitos prêmios entre os Big 6 são grandes candidatos a levar o Oscar de Melhor Filme. A vitória de Moonlight foi polêmica justamente por La La Land ter sido o vencedor de mais Big 6 naquela noite.

Fator extra

Muitas vezes a Academia é influenciada por interesses políticos. Isso foi o que levou Moonlight a ganhar a noite, pois era um filme sobre homossexuais negros estrelando um muçulmano. Claro que a intenção deles era irritar Donald Trump.

Outro fator extra são antigos gostos compartilhados pelos membros da Academia. Por exemplo, filmes sobre cinema ou teatro costumam ganhar o Oscar de Melhor Filme ou pelo menos ser aclamado [Birdman, O Artista, Argo, La La Land, A Invenção de Hugo Cabret].

---

Na próxima edição, fique atento aos sinais que aparecerem, como o número de nomeações de cada filme e as vitórias na noite do Oscar. É sempre legal vencer as apostas!



22 de agosto de 2017

Entrecho: Fera

Jonas não era só um excelente soldado, mas um grande amigo também.

Eu me culpava pela morte de Jonas. Minha falta de atitude, talvez minha inexperiência, talvez minha covardia. Eu não o salvei a tempo. Dois disparos. Os criminosos foram pegos dois dias depois, mas eu não quis vingança. Isso não traria Jonas de volta e nem me faria mais feliz.

A família dele chorou muito. Esposa e um garoto de só seis anos de idade. Eu ainda os vejo de vez em quando, é triste ver que o filho vai crescer sem o pai.

Três anos se passaram e estou de volta as ruas como PM. As noites da capital são frias e perigosas, mas somos ensinados a não ter medo. Pelo menos não medo do natural.

Essa é história de uma coisa que aconteceu a mim e meu parceiro e que não pode ser explicada. Talvez um sinal de outro mundo, não sei.

Era quinta-feira, 4 de novembro de 2015. William e eu já estávamos patrulhando havia alguns dias, já nos conhecíamos bem. Um rapaz inteligente, dez anos mais jovem do que eu.

Uma ocorrência nos apareceu. Uma mulher havia sido atacada, perto do cemitério na Rua das Flores. Tentativa de estupro? Foi o que pensamos.

Um alvoroço no meio da rua. Assim que chegamos recebemos mil explicações. As pessoas estavam dizendo que um "bicho" havia saído do cemitério para atacar a pobre mulher voltando pra casa. Muitos acharam ela louca, como nós mesmos.

Tinha alguém se escondendo naquele lugar. Claro, vendo como é um cemitério escuro e quase abandonado. Acho que nem tinha coveiro, pelo menos não naquela noite.

Todos logo se trancaram em casa, com medo de qualquer coisa. Armas e lanternas em mão, partimos para verificar o local. Era uma atmosfera estranha lá dentro, quase que como eu já conhecesse o lugar. Em alguns pontos do cemitério você sentia um frio na barriga, um vento no pescoço.

Nada. Mas William achou que deveríamos procurar melhor, afinal o cemitério era enorme. Ele foi pra viatura para chamar reforços e eu me encontrei sozinho naquele breu.

Não demorou para me sentir solitário... demais. Parecia que eu estava em outro lugar, ainda mais escuro e vazio. Eu senti uma presença... morte. Ou talvez vida, mas uma vida corrompida e arruinada.

Eu corri na direção do portão, mas não consegui alcançar nada. Não haviam mais luzes, nada. Era perdição.

E eu ouvi a criatura.

Como o rosnar de um cão, só que mais brutal. Parecia estar em todos os lados ao meu redor, me circulando. Eu já estava branco neste momento. Isso não era natural.

Movimento. Um vulto. Era um enorme cão negro que se sustentava em duas pernas. Olhos azuis, enormes e brilhantes. A boca engoliria minha cabeça facilmente, e poderia arrancá-la com uma patada.

Eu tentei correr, mas ela sempre me alcançava, mas nunca atacava.

Então eu atirei. Mas errei. Atirei e errei. Tentei correr, estava cansado mas corri. Não alcancei a saída.

Estava claro que eu morreria ali. Ou talvez ficasse preso. O monstro não me atacava.

Eu me ajoelhei, me entregando ao animal. Mas a fera se aproximou, me estudante com seus olhos gigantes.

- O que temes? - ela perguntou.

Uma voz serene. Familiar. Amigável, até sábia.

- De tudo. De morrer. De me perder. De falhar - eu respondi, cabeça baixa.

- Tu nunca falhaste. Tu nunca perdeste. Ao aceitar teu destino, tu demonstras coragem, pois eu estava preste a devorar-te.

Eu olhei para ela.

- Mas meu amigo morreu e eu não o salvei... - eu disse.

- Tu não és capaz de salvar a todos sempre - ela respondeu - Aprenda teu lugar, tua força, e saberá viver sem temer a nada. O lamento não ajuda.

- O que é você? - eu perguntei.

 A criatura se afastou, adentrando na escuridão e saindo da luz de minha lanterna. Seu sorriso canino se transformou na feição mais linda do mundo.

- Eu o fogo que arde no coração dos homens.

E foi embora.

Eu me levantei, quase desabando. Pude ouvir William me chamando por trás. Eu corri em direção a sua voz.

Mais dois policiais haviam chegada, eles continuarão as buscas naquela noite. Eu pedi para o capitão via rádio para voltar pra casa, não estava me sentindo bem.

Eu ouvi dizer no outro dia que não encontraram ninguém no cemitério. Eu acredito que havia mais lá do que se pode imaginar. Aquela foi a noite mais estranha de minha vida e eu nunca contei isso a ninguém.


11 de agosto de 2017

Tem Alguém na Minha Cozinha

Ouço um barulho vindo da minha cozinha. O pior de tudo é que eu moro sozinho. Eu sabia que esse bairro era perigoso. Levanto-me e pego meu porrete, sempre guardado debaixo de minha cama. Olho para o relógio, são quatro horas da madrugada. Que ladrão esperto, escolhendo a melhor hora para entrar nas casas.

Avanço pelo corredor erguendo minha arma. Passos leves. Ainda consigo ouvir barulhos vindos da cozinha. Posso ouvir minha geladeira abrindo, alguém tinha gostado do seu conteúdo.

Chegando na cozinha vejo que as luzes estão apagada. Na verdade, pouco vejo. Apenas ouço uma espécie de rosnar. A única fraca luz vem da geladeira e posso ver a silhueta de alguém ou de algo.

Jesus. Não parece com uma pessoa. É uma criatura baixa, magra e estranha em todos os outros sentidos. Está comendo a macarronada que eu guardei do jantar. Esse desgraçado, seja humano ou não, tinha ido longe demais longe de mais.

Ligo a luz e posso ver a criatura melhor. Credo! Parece um monstro vindo de alguma filme de terror. Sua pele é meio que cinzenta, seus olhos são grandes e penetrantes. Não tem pelos e seus dentes são como presas.

Ela dá um grito alto que acho que chegou a acordar meu vizinho. Avanço com meu porrete, mas ele joga a bacia cheia de macarrão em mim antes que eu possa avançar..

- Maldito! Vem cá!

Ele acha que pode fugir de mim! Dou três batidas na cabeça dele. Sorte do desgraçado que eu não sou muito forte, se não teria esmagado seus miolos ou seja lá o que ele tenha na cabeça.

- Pu favô... para... dói...

Eu estou ficando louco ou antes de eu conseguir dar uma quarta porrada aquele bicho falou? Agora ele conseguia dialogar. Estava todo coitadinho. Quase senti pena.

- Você fala? - eu pergunto.

- Sim, mim fala. Num mata mim. Mim cum fomi.

- Que diabos é você?

Levanto meu bastão, pronto para desferir um ultimo golpe, rápido e fatal. Mas a criatura aparentemente gostava de sua vida, o que me surpreendeu.

- Pu favô, sinhô. Mata num. Mim fazê coisa pu sinhô. Mim trabaia pu sinhô.

Aquela ideia me pegou. Eu posso fazer algo com aquele bicho. Sei lá, como estudá-lo, talvez mostrá-lo para alguém. Não se vê um monstrinho daqueles todos os dias revirando sua geladeira!

- Sério? O que você sabe fazer?

- Mim sabi limpá casa. Mim usa a lingua pá limpá sujeira. Mim comi sujeira. Mim sabi cuzinhá e arrumá coisa. Num mata mim, pu favô. Disculpa, sinhô.

- Isso é interessante...

Afinal, olhando bem, essa coisa não parece tão má assim. Só está com fome. Ele deve ter vindo da mata, como um animal selvagem que sentiu-se atraído por minha casa. 

Não sei se seria certo matá-lo. Talvez não fosse muito ético da minha parte, talvez ele tivesse uma alma?

- Você está realmente com fome? Aqui, tome essas duas maçãs - eu entrego as frutas à criatura.

- Ó! Obrigadu, sinhô!

- Agora saia daqui!

Ainda tem tempo de devorar as duas frutas, deixando o suco cair no chão. Vejo ele sair correndo pelos fundos, ainda com a maçã na boca.

Poderia ser pior, poderia ter tentado me matar. Só estava com fome. Espero que nunca mais volte, ou talvez eu não tenha mais tanta piedade.

***

Nada melhor do que acordar numa bela manhã de sábado como essa. Já que eu não vou trabalhar, fico em casa assistindo filmes na minha poltrona, acessando a internet e lendo livros interessantes.

Dou uma passada no mercado para comprar meu almoço, encontro alguns amigos, sinto o doce cheiro dos produtos.  Até conheço uma nova caixa que o mercado contratou. O nome dela é Denize, deve ser alguns anos mais nova do que eu. Mas é uma garota adorável. Até me deu o seu número de telefone. Adoro dias de sábado.

Só pelas quatro da tarde eu saio para dar uma volta de bicicleta. Durante minha, encontra senhora, Dona Cruz, uma vizinha minha, que me dá notícias alarmantes.

- Seu moço! - ela me chama - Tu soube da ultima?

- O que?

- Tão dizendo que tem um bicho, um monstro, entrando na casa do povo. Tu ouviu falar?

A criatura de ontem! Meu coração gelou. Caramba, esperava que aquilo tivesse sido um sonho. Agora é mesmo um ladrãozinho infernal invadindo a casa das pessoas.

- C-como? - gaguejo - Que tipo de bicho?

- Ah, tão dizendo que ele é baixo, escuro e anda quase nu.

- Quem viu ele?

- Ele entrou na casa da irmã da Lídia ontem a noite. E de madrugada o Seu Jacques quase deu um tiro nele. O bicho anda procurando comida. Não sei o que é, mas se eu ver ele eu mato com minha vassoura, ah, sim.

- Na verdade, Dona Cruz, eu também vi ele ontem.

- Verdade?

- Sim, eram quatro horas da madrugada. Eu quase matei ele com meu porrete, mas meio que fiquei com pena e dei duas maçãs. Ele parecia estar com fome, não achei que fosse um monstro

- Meu filho! Tu devia ter arrancado as tripas do maldito! Não dê comida para ele que ele vai se viciar.

- Eu entendo, Dona Cruz. Próxima vez eu vou ver se pego ele.

Me despeço e saiu pedalando. Chego em uma trecho cercado de mato e fico com medo de algo pular em cima de mim. Será que existem mais daqueles bichos? Talvez sejam uma nova espécie, ou sei lá. Talvez seja uma experiência de laboratório que o governo anda realizando em segredo e que deu errado! Se for isso, sabe-se lá o que mais pode existir por aí e o que esses cientistas podem criar. Ou talvez seja um alienígena? Talvez tenha se perdido no nosso planeta ou tenha sido abandonado aqui. Ele me parece bastante estúpido, então pode ser uma criança da espécie deles. De qualquer forma, é assustador pensar nisso.

Chego em casa e não demoro a me jogar na cama. Mas antes de conseguir fechar os olhos, alguém liga para mim. É a Denize, a caixa do mercado.

Temos uma boa conversa, ela pergunta se poderíamos nos encontrar. Eu falo que sim e poderia na minha casa, amanhã de noite. Desligo, durmo e tenho bons sonhos. Nada melhor que um encontro numa noite de domingo.

Mas meus sonhos são interrompidos por barulhos na minha maldita cozinha. Como na noite passada. Jesus, eram duas horas da madrugada. Será que é aquele insetinho Com certeza, e meu porrete de madeira iria revolver as coisas.

Os barulhos cessam. Quando chego na cozinha, me deparo com o mesmo bicho, agora deitado na minha mesa, como se fosse uma cama!

- O que está fazendo aqui? Disse para ir embora! - eu grito ameaçando o animal com minha arma.

A criatura se assustada e cai da mesa, se debatendo no chão, chorando e implorando.

- Pu favô, sinhô. Num mata mim. Mim cum sono, mim cum frio. Lá fora faz friu. Aqui é quenti.

- Ontem à noite eu mandei você ir embora. Você é um ladrão! Não vou te tolerar. Você tem andado roubando casas de outras pessoas no bairro, eu sei disso.

- Mim num tem casa. Mim anda fazendu coisa ruim puquê mim num tem ondi morá, nem ondi cumê. Se sinhô deixá mim ficá aqui, mim num faz coisa ruim nunca mais.

Seus olhos tão grandes, quase pulando pra fora da cabeça. Novamente, eu sinto pena do ser animalesco. Mas como não. Ele é selvagem, mas me lembra uma criança, ingênua.

- Você não tem mesmo para onde ir? - eu pergunto.

- Num tenho, sinhô.

- Gostaria mesmo de ficar aqui? Qual é o seu nome? Vou te chamar de Mim. É assim que você vive se chamando. Pode ficar aqui, Mim, por esta noite. Amanhã vou ver o que faço contigo.

- Obrigadu, sinhô.

- Mas você vai dormir na minha despensa.

- D-dispensa? - diz a criatura gaguejando.

- É, é uma sala bem escura e apertada onde eu guardo lixo.

Arrasto Mim pelo chão como se fosse um saco cheio de estrume. O Mim parece não resistir, mas também não está feliz. A minha escura e suja despensa, bem apropriada para ele, é sua ultima parada. Amanhã ele não terá vez.

***

Mim parece se manter bem calmo na sua cela, provavelmente dormindo. Ótimo, agora posso acabar com ele durante seu sono. Durante o dia, tomei finalmente uma decisão final, a de eliminá-lo, apesar de toda empatia que eu sentia por ele. Foi bom conhecê-lo, mas agora é hora. Uma ligação, porém, me para bem no momento que vou abrir a porta com meu porrete levantado.

É Denize.

- Oi?

- Oi, Denize. Tudo bem?

- Tudo, Ricardo. Você sabe que o nosso encontro é hoje, né? - ela pergunta.

- Sim, claro!

- Espero que você tenha preparado algo bom pra mim.

- Como assim? - eu dou uma risada, desconcertado.

- Uma surpresa, sei lá. Primeiro encontro é assim.

Ela sorri e depois desligamos. Estou em apuros. O que faço agora? Ela parece ser bem exigente. Esse tipo de mulher me assusta. Acho que vou me dar mal, já que não tenho nenhum qualidade. Quer dizer, eu tenho casa própria, mas não dirijo, nunca terminei a faculdade e ainda sou feio como o Mim.

O que uma garota legal como aquela iria querer com um cara como eu? Eu precisava impressioná-la.

Espera um pouco...

Abro a porta com um empurrão. Mim está no chão, deitado em posição fetal.

Dou um chute nele, um pontapé.

- Ah, sinhô! Mias costa, sinhô!

- Acorda, Mim. Preciso de você.

Aquela noite de domingo seria a mais estranha da minha vida.

-  O que o s-sinhô qué qui mim faça?

- Olha, Mim, isso parece um tanto estranho, mas hoje à noite eu vou receber uma garota aqui em casa e eu quero te usar para impressionar ela, sabe?

- Mim qué ir embora, mim com medo!

Me levanto e abro a geladeira em um empurrão. Mostra um pedação de carne para a criatura, que arregala os olhos como se fosse o precioso dele.

- Isso vai ser seu se você me ajudar.

***

Faz tempo que não me olho no espelho. Essa camiseta minha, esse penteado maneiro (nem passei gel) e esses sapatos até que me deixaram legal. Passo um litro de perfume em mim, abro um buraco na camada de ozônio com o spray. Mas o que não se faz num encontro?

A porta abre e lá está ele: Mim, vestido para a ocasião.

É bizarro, mas eu consegui deixá-lo elegante, ou pelo menos algo perto disso. Só precisei pedir emprestado as roupas do meu sobrinho Lucas. Mas ficou bom.

São 19:48, o que quer dizer que Denize está chegando. A mesa está pronta, eu estou pronto, o Mim está pronto. Até meu PC está pronto: apaguei todo o conteúdo "inapropriado" dele, caso Denize queira dar uma olhada.

Mim está no meu quarto devorando um pedaço grande queijo que estava na geladeira fazia um mês. Faltam cinco minutos para 20:00, mas já ouço o carro parando lá fora. A maçaneta se mexe, a porta abre. Minhas pernas estão congeladas.

- Senhor, aqui está sua pizza.

Alerta falso. Pelo menos agora tenho algo para comer e acalmar o estômago e a cabeça.

O entregador vai embora. Minutos se passam. Já são 20:03 e nada. A Denize teria se atrasado? Sabia que eu deveria ter ido para a casa dela. Mulheres nunca veem até nós, somos nós que devemos ir até elas.

Sinto meus olhos mais pesados conforme o tempo passa. Já são 20:10 e nada. Já são 20:12 e o Mim continua comendo meu queijo. Já são 20:15 e eu estou dormindo, estirando no sofá como um trapo sujo.

Aproveito para ter sonhos. Dessa vez eu estou numa praça de noite. Denize está na minha frente, com aquela carinha de anjo dela. Estamos quase nos beijando quando sinto uma facada nas minhas costas, literalmente um facada. Me viro e lá está o desgraçado, mas não posso acreditar. É Mim, sorrindo.

Aí eu acordo.

Posso ouvir um carro estacionando lá fora. Me levanto em um salto. Olho no relógio e são 20:26. Dou uma arrumada nas minhas vestimentas, meu cabelo.

Vou correndo até o meu quarto ver qual é a do Mim e o encontro dormindo como um panda em cima da minha cama. Aquele queijo estava bem duro, até para os dentes dele. Para não ter nenhuma confusão, tranco a porta.

Dane-se Mim, ela está chegando!

A porta se abre e lá está, minha deusa. Está vestida num lindo vestido preto. Ela poderia ter escolhido algo melhor, como amarelo ou vermelho, ficaria um contraste melhor com a pele dela... ah, dane-se.

- Você está ótima!

- Sério? - ela diz sorrindo, graciosamente.

- É... mas eu falo da sua aparência. Quer dizer, eu não conheço da sua saúde. - eu digo, sempre agindo como um retardado.

Ela ri e eu convido ela para se sentar. Até agora está tudo indo muito bem! Conversamos sobre tudo. Ela está estudando psicologia, e eu estou estudando ela.

Até agora, nada de Mim.

***

Mim acorda. Mim confusu. Ó, é! Sinhô Ricardo queria mia ajuda. Mim tem que vê namorada de Ricardo. Pedaçu de queiju muito bom, mas muito duru!

Tento abrí a porta, mas tá fechada! Quem fechô? Será que foi o Ricardo? Por que ele faria issu?

Olho ao redô do quartu e veju uma janela aberta. Aberta! Possu escapá e mi encontrá com Ricardo e namurada!

Mas janela muito alta! Mim usá cadeira para subí e pulá. Caiu em cima de lama. Quintal da casa de Ricardo é muito suju! Saiu correndu pela noiti escura, sorti que ninguém mi vê.

***

- Quando eu era pequena eu gostava de fingir que era homem. - diz Denize.

- O que? Que merda é essa?

- É. Eu gostava de esconder meu cabelo e vestir as roupas do meu irmão. Aí eu andava pelas ruas batendo nos outros meninos.

Enquanto meu queixo se quebra ouvindo aquilo, ouço batidas na porta. Batidas pesadas. Tenho que pedir licença, mas ainda saio ganhando por não ter mais que ouvir aquela história.

Abro a porta e lá está meu amiguinho Mim! Cheio de lama e lodo, parece meu tio Jaílson. Ele escapou! Eu deixei a janela aberta. Nossa, eu não sabia que meu quintal era tão sujo.

- O que está fazendo aqui? Você está horrível! - sussurro.

- Mim preso em quarto, mas Mim escapar!

- Sim, mas agora é tarde.

Saio para fora e fecho a porta, na esperança que Denize não perceba a conversa.

- Faz o seguinte: no quintal tem uma torneira que eu uso para aguar as plantas. Tire suas roupas e se molhe lá. Depois entre de volta no meu quarto pela janela e pego outras roupas. Mas pegue roupas bonitas, nada exagerado! Tenha bom gosto. Agora vá!

O pequeno Mim desaparece na escuridão, rumando o meu quintal. A vida dele deve ser horrível. Entre de volta em casa e lá está meu anjo sorrindo, um tanto que desconcertada. Parece até assustada. Mas quem deveria estar assustado sou eu, ora, depois de ouvir as "brincadeiras" de infância dela.

- Com quem você estava falando? - ela pergunta.

- Com o entregador de pizza. Ele veio pegar o troco.

- Mas eu não vi nenhuma moto lá fora...

- Ele anda de pé por aí entregando pizza. A pizzaria é aqui perto.

Sento-me, ainda com uma dor de cabeça. A menina olha para mim, não sei pensando o que. Mas eu estava preocupado com o e.t. no meu quarto.

Peço licença de novo e vou até meu quarto. Abro a porta e vejo Mim dentro de um vestido. Pelo menos ele está limpinho!

- Eu encontrei rôpa boa pa mim. - ele diz.

- Mim, essas são roupas da minha irmã. Ele tá de férias e deixou elas aqui.

- Mim gostar da cor, mim gostar de rosa! Mim pronto. Mim quer aquele pedaço de carne! Ricardo prometeu!

- Tá bom, tá bom. Que merda. Vamos lá. Mas não faça vergonha!

São 20:50. Tem um bicho no meu quarto vestido de mulher e uma linda garota me esperando na mesa. Eu vou mostrar esse bicho branco para essa linda garota para ver a reação dela. Eu sou louco.

- Você parece muito ocupado, Ricardo. - Denize diz assim que eu apareço.

- Olha, Denize, eu tenho que te apresentar um amigo.

- Amigo?

- É. Eu sei que esse é nosso encontro, mas é um amigo muito legal. Você precisa ver.

- Tudo bem. - ela ri.

- Mim, pode vir!

Lá vinha o Mim. Naquele vestido rosa ridículo, como um travesti de outro planeta. Aquela cara selvagem e perdida dele, até cômica. Seu caminhar era atrapalhado. Até eu ria.

- Esse é Mim. - eu digo.

- Oi. Mim gostar de queijo. - diz Mim.

- Ual, esse é o seu amigo?

- É sim, é um pouco esquisito. Na verdade eu nem sei o que ele é. Encontrei o Mim roubando minha geladeira no meu da madrugada dois dias atrás. Eu na verdade vou matar ele mais tarde. Mas podem brincar agora.

Mim se senta na mesa, subindo na cadeira para ficar na nossa altura. Parece uma criança. Talvez seja.

Mas uma coisa estranha eu raparei: o jeito que Denize olha para Mim. Ela está mais fascinada com a criatura do que comigo! Não posso acreditar.

- Então, Denize, você já viajou para o exterior alguma vez? - eu tento começar. - Eu fui para Paris faz quatro anos. A comida de lá é horrível, não acredite no que dizem. Franceses são uns nojentos.

Mim devora as frutas deixadas em cima da mesa como se fosse sua ultima refeição. Mas espera, é sua ultima refeição!

- Eu gostei do seu vestido, Mim. - diz Denize, me ignorando, para a minha surpresa.

- Brigadu. - ele responde.

- E você já foi à algum jogo da copa de 2014? Eu vi o 7x1 com o meu pai. Ele ficou chorando por uma semana. - eu tento mudar de assunto.

Denize continua fixando os olhos em Mim, como se ele fosse seu namorado. O encontro agora parece ter seguido outro rumo.

- Ei, eu ainda estou aqui. Denize, esse é nosso encontro.

- Do que você está falando, Ricardo?

- Não me ignore! - eu grito, raivado.

- Não fale assim comigo! Mim consegue ser mais adorável do que você, mesmo falando pouco! - ela se levanta.

- Você ficou doida? - eu me levanto também. Mim parece um retardado olhando para os lados.

- Vamos, Mim, vamos embora. Esse idiota só vai te causar desgraça! - diz Denize.

- Não, Mim, fique comigo! Eu vou te dar o mais suculento pedaço de carne que existe. Tony Ramos vai ficar com inveja!

Mim, indeciso, olha de lá para cá com aquele olhar de cachorro abandonado. Ele enfim se levanta e parece decidido entre uma garota cuidadosa e uma maluco que vai matá-lo em alguns horas.

- Prefiru ficá com mulhé que não tranca nois nu quartu.

- Seu desgraçado! Traidor! Depois de tudo que passamos é isso que você faz? E o pedaço de friboi que eu vou te dar?

- Num queru. Mim gostá de Denize. Pareci tê gosto bom.

- Viu? Adeus, Ricardo.

Meu coração se parte vendo aquela cena. Meu futura namorada ficando com meu "melhor amigo" de outro mundo. É daqueles momentos que bate uma tristeza em você. É quando você repensa as coisas e vê que o que tu fez foi errado, tudo errado. As coisas teriam sido melhor sem Mim, com certeza.

Vou para o meu quarto me deitar, esfriar a cabeça. Nem tiro as roupas. Mas antes de me jogar na cama eu vejo um bilhete lá. Está escrito numa caligrafia horrível, mas consigo entender algumas coisas.

Foi escrito por Mim, aparentemente.

"Mim qué grandi pedaçu de carni. Mim cum fomi. Ricardu é fio da mãe. Mim não gosta dele. E pedaçu de queiju nem ser tão bom. "

Sério eu não deveria ter me levantado naquela madrugada.

FIM.

9 de agosto de 2017

Entrecho: O Outro Lado

Esta história curta é baseada em um conto que eu achei em um fórum anônimo americano. Eu traduzi todo o texto e, infelizmente, não posso dar créditos ao autor. Mesmo assim deixarei esta mensagem aqui para que todos saibam que eu não sou o que realmente escreveu o conto.

Você estava voltando para casa quando morreu.

Um acidente de carro. Fatal. Uma viúva e três filhos choraram mais alto em seu funeral. Mas a sua morte foi indolor. Os médicos fizeram o possível, mas você não aguentou.

E foi assim que você me encontrou.

"O que... o que houve?!, você perguntou, "onde eu estou?"

"Você está morto", eu disse de forma fria e direta. Sem enrolações.

"Era um... tinha um caminhão..."

"Sim", eu disse.

"Eu morri?", você me perguntou.

"Não fique triste ou abalado", eu dei um leve sorriso e um tapa em suas costas, "todo mundo morre um dia".

Você olhou para os lados, perdido. Um lugar vazio, vácuo. Só eu e você. "Que lugar é esse?", me perguntou, "aqui é o Céu?"

"Mais ou menos"

"Você é... Deus?", você me perguntou.

"Sim", respondi, "sou Deus".

"Minha família....", você disse.

"O que tem eles?"

"Eles vão ficar bem?"

"Isso é o que gosto de ver", eu disse, "você acaba de morrer e sua primeira preocupação é a família. Isso é um bom sinal!"

Você me olhou de cima a baixo com fascínio. Para você eu não era nenhum Deus. Minha aparência era de um homem comum, não muito diferente de um carteiro ou professor.

"Não se preocupe", eu disse, "eles vão ficar bem. Seus filhos vão se lembrar de você um dia. Sua esposa vai chorar por fora, mas ela vai estar secretamente aliviada. Seu casamento não estava indo muito bem mesmo. Mas é bom que saiba que ela um dia vai se sentir mal por ter ficado aliviada pela sua morte."

"E agora?", você disse, "o que acontece agora? O que acontece comigo?"

"Nenhum dos dois. Você será reencarnado", eu disse.

"Reencarnação?", você se admirou, "então os hindu estavam certos?"

"Todas as religiões estão corretas de uma certa maneira", eu disse, "venha, me siga".

Continuamos andando enquanto penetrávamos no vácuo. "Aonda vamos?", você perguntou ainda confuso.

"Lugar nenhum", eu disse, "só acho bom conversar enquanto caminhamos".

"Então", você começou, "como funciona?" Quando eu nascer de novo minha memória vai ser apagada, não é? Todas as minhas experiências passadas não vão ter nenhuma importância."

"Não", eu disse, "você tem todo o conhecimento de suas encarnações passadas dentro de você, mas você simplesmente não se lembra delas."

Eu parei de caminhar e pus minha mão em seu ombro. "Sua alma é muito mais linda, magnífica e incrível do que você pode imaginar. Uma mente humana só consegue conter uma pequena fração de sua capacidade."

Você olhou para baixo, um olhar maravilhado e depois me encarou.

"Você tem sido um humano pelos últimos 48 anos, uma vida limitada. Pouco demais para aprender tanto sobre sua imensidão espiritual."

"Quantas vezes eu já reencarnei?", você perguntou.

"Muitas vezes, muitas vezes", eu respondi, "dessa vez você será um mercador árabe no século VI."

"O que?!", você disse surpreso, "você vai me mandar de volta no tempo?!"

"O tempo como você conhece apenas existe em seu universo. As coisas são diferentes de onde eu vim."

"De onde você veio?", você perguntou.

"Eu vim de um lugar muito distante", eu respondi, "e existem muitos outros como eu. Eu sei que você quer saber mais, mas acho que você não entenderia se eu explicasse".

Você ficou quieto por um momento, se sentindo tão pequeno.

"Se... se eu reencarno no passado, então eu posso ter interagido com outra versão minha"

"Isso acontece o tempo todo", eu respondi, "e as duas vidas nunca estão cientes que encontram a si mesmas."

"E qual é o sentido por trás disso tudo?", você perguntou.

"Sério?! Você quer saber o sentido da vida? Essa é uma pergunta ousada."

"Acho que é importante que eu saiba antes de ir embora", você disse.

Eu te olhei nos olhos. "O motivo de eu ter criado o universo, de ter criado você é para que você pudesse amadurecer".

"Você está falando da humanidade? Você quer nos ver amadurecidos?", você perguntou.

"Não, só você. Eu fiz todo o universo só para você. A cada encarnação você cresceria e ganharia mais conhecimento."

"Só eu?", você perguntou, "e o resto das pessoas?"

"Não existem outros", respondi, "só existe eu e você"

Você paralisou. "Mas... e as pessoas na Terra?"

"São você. Diferentes encarnações suas."

"Eu... sou todo mundo?", você me perguntou.

Eu te dei um tapa nas costas e um sorriso. "Isso mesmo."

"Eu sou todo o humano que já viveu?"

"E todo humano que viverá"

"Eu sou o Napoleão Bonaparte?"

"E Dom João VI, sim, você é"

"Eu sou Hitler?", você perguntou, pálido.

"E é todos os milhões mortos por ele", eu completei.

"Sou Jesus Cristo?"

"E todos que o seguiram"

Você caiu, silencioso, de joelhos, mão a cabeça.

"Cada vez que você escravizava uma pessoa, estava escravizando a si mesmo. Cada momento de felicidade e tristeza que você já compartilhou com outro estava compartilhando com si mesmo", eu disse.

"Por que?", você perguntou, "por que fazer isso?"

"Por que um dia você vai se tornar como eu. Este é você. Meu filho."

"Eu sou um Deus", você disse.

"Não, ainda não. Você ainda está crescendo. Uma vez que tenha vivido na pele de todos os humanos que já existiram, você terá crescido o bastante para nascer de verdade"

"Então o universo inteiro é um...."

"Um ovo", eu respondi, "agora é hora de se partir para a sua nova vida."

E com um estalar de dedos eu te mandei para seu novo desafio, seu novo pequeno mundo.

FIM