Era dia 4 de novembro. Um dia muito aguardado. Havia esperando um ano por aquele dia. 2018 tinha sido meu último ano no Ensino Médio. Eu queria tirar uma nota boa, ou melhor, eu precisa tirar uma nota boa. Afinal, como passaria pra medicina?
A prova era sediada na minha cidade, então eu tinha sorte de não precisar, como outros, pegar um ônibus para uma cidade mais próxima para fazer a prova. Na verdade, eu era bem mais sortudo que muitos pois a escola em que eu faria a prova ficava a apenas alguns quarterões de minha casa casa!
E quando falo que havia esperado para o dia há muito tempo, eu falo sério. Por meses estudei, primeiro fiz cursinho de redação (grátis) na internet e depois presencial, uma quantia leve mensalmente. Fiz dezenas de redações, sobre todos os assuntos, desde temas como "Como acabar com a corrupção" até "Porque não vale a pena jogar jogos no console hoje em dia".
Mas consegue atingir a perfeição com o tempo.
Quantos as outras áreas: linguagens estava domada após horas lendo os mais clássicos de nossa literatura (até estrangeira), ciências humanas seria fácil depois de tantos jornais e noticiários analisados. Matemática e natureza me meteram medo no começo, mas também foram dominadas.
Eu era um homem determinado a tirar uma nota boa no ENEM de 2018, nos dois dias de prova.
Mas toda história tem seu lado sombrio. E como vocês podem adivinhar, essa história que estão lendo trata de um dia terrível pra mim (embora o sol brilhasse no céu).
Acontece que no dia em questão eu estava com sono.
"Não estude na noite anterior da prova", me alertaram. Eu tentei seguir esse conselho. No dia 3 de novembro eu fui pra cama às nove horas da noite.
Mas eu mal dormi. Madruguei, estava ansioso. Não seria minha primeira vez fazendo uma prova do ENEM (era minha segunda vez, na última eu tinha ido como treineiro), mas esse ano seria importante, pois eu precisava tirar uma nota boa.
E isso, como podem adivinhar, traria péssimas consequências.
Como já dito, era 4 de novembro de 2018. Não haviam nuvens no céus. Saí de casa com a benção de minha mãe e um olhar de confiança de meu pai (embora eu me lembre de ter enxergado uma certa preocupação). Meu irmão mais novo, ainda muito jovem para fazer a prova, não se lembrou de me desejar boa sorte, estava ocupada demais no video game.
Eram quase onze horas quando saí de casa. Os portões estavam quase se abrindo. Quando cheguei já tinham acabado de abri-los.
Eu já estava acordado fazia mais de vinte e quatro horas, o que era surpreendente (embora não fosse meu recorde). Enquanto me preparava para entrar na sala, sentado em uma banco no pátio, sacola com doces na mão, eu pude sentir, levemente, minha cabeça pender para baixo. Meu amigo e colega, sentado ao meu lado, teve de me acordar para que eu não caísse no chão.
"Você não dormiu direito?", ele me indagou.
O sono estava chegando. Mas também estava chegando a prova.
Era chegada a hora então. Entrei na sala e esperei trinta minutos pela prova. Nesse período não me lembro de ter sentido muito sono, apenas um leve peso nas pálpebras.
Estava bem confiante quanto a prova. Já tinha em minha cabeça: questões primeiro, redação por último.
Como sempre fazia em uma sala de aula, me acomodei nos fundos, encostado a parede. No momento fiquei feliz de ter me posicionado atrás de um rapaz quase obeso, "ninguém vai me ver", pensei. Porém, isso foi um erro.
O sino tocou. A moça começou a distribuir os cadernos. O meu era de cor azul. Me lembro que a primeira coisa que fiz foi cheirá-lo.
Agora vocês devem estar se perguntando: quando você caiu no sono?
Bem não demorou muito para isso acontecer.
Por algum motivo, achei que seria divertido abrir o caderno em uma página aleatória e responder a primeira questão que visse (achei que seria desafiador, sempre gostei de desafios).
Era uma questão de português com um enunciado gigantesco. Lê-lo foi, em termos poéticos, como navegar em um mar escuro e coberto de uma névoa fria. Enquanto lia, pude sentir meu corpo se "desligando". Minha mente saltou do texto para mundos estranhos, como um sonho ganhando pernas, e de repente me vi em uma terra sob um crepúsculo, apenas observando, impotente, meu corpo ali sentado ainda com o caderno em mãos.
Minha visão se escureceu. O sono estava tomando controle de mim.
Nem tentei resistir. Cai de cara na carteira. Não estava mais ali.
Uma hora depois eu ainda dormia. O gordo em minha frente tornou impossível que a moça que aplicava as provas me visse e que, por gentileza, me acordasse.
Duas horas da tarde, fiz um pequeno movimento, mas voltei ao meu sono. Três horas, estava babando. Eram quatro horas e ainda dormia.
Foi às cinco horas que me fui despertado, faltando uma hora para o término do horário! Quem me acordou foi ninguém mesmo que o rapaz na minha frente, que havia terminado a prova.
Ali me encontrei, de cara sob a mesma questão. Não havia respondido nenhuma e nem ao menos havia visto o tema da redação.
A baba sob a prova agora se misturava com lágrimas. Não podia acreditar naquilo. Minha dor foi enorme. Quase todos na minha sala já tinha feito, faltando eu e duas moças sentadas na frente.
Pensei, por um segundo, em abandonar a prova e sair correndo dali em prantos. Porém, respirei fundo e me lembrei dos olhares da minha família (com exceção de meu irmão que mais se importava em jogar).
Respondi, ou tentei responder como um louco TODAS as 90 questões daquele caderno. Estava soando, a tarde estava ficando mais escura, o sol se escondia. Era quase cinco e meia e ainda estava na questão 34. Eu pensei "dane-se" e parti para a redação.
Tema: manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na Internet
Eu sabia que o tema não era difícil. Mas alguma coisa travou na minha mente... deu branco, não conseguiu sair nada. Tentei vários começos na folha de redação, mas nada parecia certo.
Faltava menos de vinte minutos para o tempo acabar. Resolvi escrever qualquer porcaria lá. Eu era um homem derrotado.
Sai da sala totalmente destruído. "Por que?!", eu dizia.
Encontrei meus amigos do lado de fora da escola, todos conversando sobre como tinham se saído, alguns estavam bem alegres, confiantes. Passei por eles sem falar nada.
Voltei para casa. Me dei com minha mãe.
"Como foi, filho?", ela perguntou.
"Foi legal, mas acho que não tiro nota boa", eu respondi.
"Como não? Você estudou tanto!"
"Eu sei, mas talvez não tenha sido o suficiente. Além do mais, eu estava com sono"
Eu sabia que não passaria de forma nenhuma. E nem pensei em fazer a prova na semana seguinte.
Mais tarde, naquela noite, meu pai veio me dar o boa noite antes de dormir. Me encontrou no meu quarto vendo vídeos no computador.
"Tá vendo o que, filho?"
"Estou estudando para 2019, pai", eu respondi.
FIM
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