15 de junho de 2017

Atlântico

21 de janeiro de 1799
Algum lugar do Atlântico

Meu nome é Antônio Cunha, capitão desta embarcação vinda da costa africana de Angola, colônia de Portugal. Até ontem nossa tripulação era de 28 homens europeus e 50 escravos escravos, mas o sol nasceu hoje e encontrou 10 tripulantes mortos. Vários pretos foram mortos também, mas não sabemos quantos. Conseguimos deter o pequeno exército de negros, prendemos eles nos porões mais profundos da nossa caravela.

Não deveríamos estar fazendo isso... não somos um navio negreiro, não trabalhamos com isso. Mas o recompensa, eles disseram, seria grande. Deus tenha misericórdia, e eu peço desculpas a Portugal.

22 de janeiro 

Acho que ainda estão furiosos. Agora mesmo os homens estão descendo, os escravos ainda querem se rebelar. Coelho, um dos mais jovens do nosso navio, foi atacado e seu braço está bem feio...

23 de janeiro 

Parece que os negros relaxaram, graças a Deus. A maré está ficando forte, e tem bastante neblina. Assunção, nosso médico, disse que Coelho vai perder o braço, terão que amputá-lo. Pobre rapaz.

Estou com medo.

24 de janeiro

Os homens ouviram uma estranha cantoria lá embaixo, parece que os negros estão realizando uma espécie de ritual. Coisa do diabo, com certeza. Mas Brito disse que não tem problema, não devemos nos preocupar. Eu confio em Brito, é um homem sensato.

Conseguiram amputar o braço esquerdo de Coelho. Achei ele calmo demais.

A maré está um terror, a neblina é muito densa. O vento parece sussurrar palavras sombrias nos nossos ouvidos.

25 de janeiro

Não tenho muito a declarar... Santoro desapareceu, ele simplesmente sumiu. Alguns dizem ter visto ele se jogar nas ondas.

26 janeiro

Estamos perdidos. Acho que sim.

27 de janeiro

Passei a maior parte do dia dormindo. Castro nem fala mais, Rodrigues sente dores pelo corpo. Tem umas risadas, no ar... eu não sei. Me sinto pesado.

28 de janeiro

Hoje eu consegui me levantar melhor, se me entendem... mas ainda estou com sono. Parece que estamos todos doentes. Estamos com fome também. Tudo parece tão lento, a comida tem um gosto ruim...

Preciso escrever que Araújo avistou de manhã uma terra no horizonte, ao norte, que parecia promissora. Acho que a neblina está enfraquecendo. Graças a Deus, eu nem acredito que precisamos perder 14 homens nesta viagem.

29 de janeiro

Terra, finalmente. Deve ser uma ilha não muito grande, mas existe vida aqui. E tudo é agradável do que no maldito navio. Vamos passar uns dias aqui.

2 de fevereiro

O barco sumiu. Eu não sei o que houve, ele simplesmente se foi. Passamos alguns dias aqui, estava bom demais e agora, algo diabólico assim aconteceu. O barco se foi, os escravos se foram, tudo que tínhamos se foi, e eu nem sei onde estamos!

5 de fevereiro

Assunção enlouqueceu. O nosso médio ficou LOUCO! Ele fala de fantasmas, de espírito escuros que nos caçarão. Muitos estão loucos. Os dois irmãos franceses que tínhamos a bordo sumiram no mato. Rodrigues, Ferreira e Araújo foram ver se encontram eles. Espero que não achem os cadáveres!

7 de fevereiro

Ontem eu vi um maldito barco no horizonte, mas estava tão longe...

A vida está horrível aqui. Tem mosquitos, animais selvagem (javalis, onças, cobras) e uma.... ah. Eu odeio esse lugar. Não sei por quanto tempo sobreviveremos.

8 de fevereiro

Encontraram os corpos dos dois irmãos franceses... Pierre e Emmanuel. Estavam secos, magros mesmo, como se o Satanás tivesse arrancado a alma deles. Deus os tenha. Agora somos apenas 12.

9 de fevereiro

Assunção agora anda apenas na praia, como um louco, nu, gritando contra o mar. Meu Deus do céu...

Coelho é a pessoa mais corajosa e sã depois de mim, ele é um rapaz confiável. O resto ou está fraco, abatido ou está fora das faculdades mentais.

10 de fevereiro

Eu e Coelho decidimos que nós deveríamos subir um grande morro no centro da ilha, para assim ter uma melhor vista do mar. É uma boa ideia ficarmos lá.

Mas Assunção não quis ir, ele continua lá gritando contra o mar, sem roupas, doido.

13 de fevereiro

Finalmente chegamos. Demorou três dias. Tivemos o imprevisto de Valdéz, nosso espanhol, ter quebrado a perna ao escorregar em uma ladeira. Depois veio uma tempestade terrível, ficamos com muito frio.

O topo deste morro é bastante alto, mais alto do que eu imaginava. Temos uma boa vista. Se acendermos fogo aqui, um navio que se aproximar poderá nos perceber e vir nos resgatar.

14 de fevereiro

Acendemos um fogo ontem de noite, mas nada. Vamos viver aqui em cima. Brito teve a ideia de construir uma embarcação para sair da ilha, mas eu acho que ele está louco. Não é possível fazer isso, nem temos madeira suficiente.

15 de fevereiro

Nóbrega e Alexandre encontraram umas árvores lá atrás, umas frutas boas elas dão, bem saborosas.  Mas Castro e Brito não quiseram comer, eles me parecem muito sensatos.

Estou rio enquanto escrevo isto. Não rio a semanas.

16 de fevereiro

Nós acordamos nesta madrugada passando mal, muito mal. Foram as malditas frutinhas. Ainda estou muito mal, vou dormir.

19 de fevereiro

Ficamos dois dias com febre alta e muita dor. Nunca mais encostaremos nas frutas, nunca.

Os únicos que não demonstraram sintomas foram Brito e Castro, eles nem comera. Pra falar a verdade, eles andam muito juntos ultimamente, quase que só conversam entre si e dormem afastados.

Mas enfim, ontem de noite Araújo avistou um barco que estava bem perto. Nós acordamos para ver, mas já estava longe. Ainda há esperança!

Sinto falta de Assunção, um bom amigo ele era. Acho que ele não está mais vivo.

21 de fevereiro

Faz um mês desde a revolta dos escravos.

Os rapazes pegaram um enorme javali hoje.

23 de fevereiro

Uma neblina apareceu hoje. Está fazendo muito frio.

24 de fevereiro

Nem consigo me manter em pé com este vento. Está frio...
Uma neblina surgiu.

26 ou 27 de fevereiro

Brito e Castro dizem que construirão um barco. Eles começaram a derrubar árvores. A neblina tomou conta de tudo.

Começo de março 

Muitos outros estão se juntando ao projeto de Brito e Castro, de construir uma embarcação. Eles não falam muito. Ainda nem vi esse barco.

3 ou 4 de março

Desgraçados, o que eles estão fazendo? Não podem me desrespeitar. Eu não dei ordens para construir uma embarcação nesta ilha! A minha ordem era ficar aqui e continuar esperando pelo navio de resgate

Março

Não vou tolerar que alguém saia de perto de mim. Espanquei Valdéz por tentar descumprir minhas ordens. Mas é isso que acontece.

Meio de março

Só Coelho ainda me respeita. Todos os outros moram agora do outro lado, filhos da mãe...

[data não definida]

Coelho acordou morto. Acho que ele não aguentou o frio. Culpa daquele desgraçados do outro lado.

[data não definida]

Não aguentei, fiquei com fome e fui ver o que havia do outro lado da ilha. Quando cheguei o barco estava partindo, indo embora, um gigantesco navio! Como é possível?

[data não definida]

Ouço vozes estranhas. A neblina está tão forte, nem vejo minha mão.

Avistei estranhas figuras. Figuras negras...

[data não definida]

Estão me perseguindo, os espíritos negros, não sei se sobrevivo... São muitos


Fim do diário do capitão Antônio Cunha. Meses depois uma navio português em sua procura chegou na ilha e encontrou os restos de Cunha em uma caverna, junto com seu diário.

Augusto Brito, porém, nunca mais foi visto, e nem o resto da tripulação.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário