A mulher sentada na poltrona vermelha tinha cabelos negros, era delgada, alta, tinha óculos. O olhar era fixo e profundo, quase como das pessoas que ela tratava.
E havia o rapaz. Estava deitado no sofá. Olhava para o teto, para o vazio, os braços cruzados. Parecia impaciente, mas talvez soubesse o que estava fazendo. Se vestia muito bem, bem demais para estar daquele lado da sala.
Foi silêncio por um tempo.
- Eu tenho uma vida infeliz. - disse o rapaz.
- Por que exatamente?- ela perguntou.
O rapaz se acomodou na sua poltrona (menor e menos confortável do que a da psicóloga) e engoliu seco. Olhou fundo nos olhos da mulher, um olhar diferente, uma análise.
- Meu trabalho... não amo meu trabalho. É chato, eu trabalho com pessoas chatas. Todos os dias eu tenho que ouvir, ouvir... ouvir reclamações, todo tipo de coisa. Imagina?
- Sim, eu sei como é. Meu trabalho é mais ou menos assim.
Ela bebeu um copo d'água que estava ao lado, água gelada.
- Não - ele disse - não sabe. Como você se sentiria em ter que ouvir os outros e não poder ouvir a si mesmo?
- É uma ideia ruim.. mas não funciona assim. - a psicóloga respondeu.
Bebeu outro gole, a água mais fria. O rapaz se inclinou para frente, quase que a encarando. Mas a psicóloga não se amedrontava. Parecia conhecê-lo, ou tentar conhecê-lo.
- E ter que voltar pra casa e aguentar uma vida dura, estressante, viver sem fôlego. Parece ruim?
- Sim, parece.
Um terceiro gole já quente esvaziou o copo. O olhar dela se perde, mão a cabeça. O rapaz parece saber muito.
- E junte isso com o seu passado, o seu histórico sombrio. Os abusos, os traumas, os medos.
- É terrível. - ela respondeu.
- Você tem algo a falar? - o rapaz perguntou.
- Eu tenho problemas também. Talvez eu sonhe demais. Talvez algumas coisas sejam apenas ilusões para mim. É difícil falar sobre isso. Nem deveria estar falando.
- Que tipo de ilusões?
O rapaz cruza as pernas. Mão no queixo, olhar de interesse. Os papéis parecem ter se invertido.
- Olha, eu sou a psicóloga aqui. O papel de doutora é meu.
A psicóloga parecia perder o controle. As mãos tremendo, o ar indo e vindo das narinas, a tensão aumentando.
- Está tudo bem. Eu também tenho problemas e quero ajudar - ele disse com uma voz calma - Está tudo bem.
- Não faz sentido. Eu sou a psicóloga!
- Eu entendo.
- Não entende. E não mande eu me acalmar! - ela começa a realmente gritar.
Do lado de fora do consultório duas moças esperavam por sua vez. Mas só podiam ouvir os gritos de uma mulher vindo de dentro.
Depois de um tempo o barulho acabou. A porta se abriu, de onde saiu o Dr. Artur e uma jovem mulher de cabelos negros. Ela parecia calma por fora mas nervosa, quase explodindo, por dentro.
- Tudo bem, Isidora - disse Dr. Artur para a mulher - Continue tomando seus remédios e volte na próxima semana.
A abatida Isidora agradeceu e se foi.
Uma das moças aguardando na sala de espera ficou curiosa.
- Doutor, quem era?
- Uma coitada que sofre de delírios. Muito traumatizada com a perda do filho mais novo. Ela acha que é uma psicóloga.
FIM
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