Nada temia o Homem de Chapéu. Era humilde, sábio, vivido, discreto, quieto. Vagava pelo mundo para sobreviver e semear o bem, uma espécie de dívida que ele tinha com o resto da humanidade. O seu passado era sombria, mas o Homem de Chapéu não gostava de falar disso.
Usava um grande chapéu que fazia sombra em seu rosto, roupas largas e botas negras. Nunca andava a cavalo, apenas a pé com um cajado a mão.
O Homem de Chapéu carregava o revólver, mas o usava apenas para para salvar a vida de outros.
Não bebia. Não fumava. Não visitava festanças. Jejuava e dormia pouco, mal falava.
Sua missão no mundo era fazer o bem. Pois era um fiel a Deus.
Um dia, o Homem de Chapéu passeava por uma região muito seca quando uma serpente o surpreendeu. Seu dom de esquiva é conhecido em todo o país e ele conseguiu desviar e matou a cobra com seu cajado. Guardou a cobra para comer mais tarde e continuou sua jornada.
No mesmo dia, a noite, ele foi dormir e teve um sonho onde Deus o ordenava: tiro o veneno da cobra e molhe uma de suas balas com ele.
Assim ele fez pois era um homem fiel a Deus.
***
Alguns dias depois ele chegou em uma cidade onde a bondade não existia. Rio Vermelho era pequena e dominada por um coronal tirano, o Pistoleiro. As únicas pessoas que visitavam a igreja local tinham uma fé duvidável. Estava aos pedaços a igreja.
Havia jogos, prostitutas e bandidos em todos os cantos de Rio Vermelho. Não havia educação, não haviam leis.
Em busca de um teto, o Homem de Chapéu foi a uma pousada alugar um quarto. A atendente era uma mulher abatida e de aparência envelhecida. Estava grávida e já tinha um filho da idade de um menino. O nome da mulher era Ana Maria.
O Homem de Chapéu pode ver o sofrer dela.
Estava grávida do Pistoleiro.
"Que futuro terá meu filhos?", Ana Maria se perguntava isso todos os dias.
O Pistoleiro estava fora da cidade com seus homens e voltaria no dia seguinte. Ciumento, o homem que paquerasse sua mulher morreria em estantes.
O Homem de Chapéu não temia a morte, mas não queria paquera com Ana Maria. A chamou para seu quarto no meio da noite.
Uma fuga foi proposta. Uma fuga para longe, para um lugar distante, onde os filhos de Ana Maria pudessem viver em paz.
Um lugar chamado Baixada dos Anjos. Uma cidade perto da capital e de grande população. Haviam escolas e hospitais e policiamento. Um bom lar.
Ana Maria disse sim, ela mal ouviu.
***
A manhã chegou e o Pistoleiro estava lá. Um homem alto, forte e de forte personalidade. Todos os respeitavam e temiam. Tinha uma dúzia de capangas sempre ao lado, todos armados. Era um vaqueiro, homem poderoso, rico e de grande nome.
O Homem de Chapéu olhou para ele e sentiu pena.
Tratava Ana Maria como lixo, mesmo grávida. A pegava sem cuidado, batia nela, gritava com ela e outros maus tratos. O pobre Filho também sofria.
Rio Vermelho era o inferno e o Pistoleiro era o diabo. O Homem de Chapéu era o único caminhou para sair daquele lugar.
***
Quando estava quase anoitecendo, se notou uma fumaça subindo. Era fogo que logo cresceu e se espalhou. Uma casa abandonada, cercada de mato seco foi o necessário para distrair a atenção do povo.
Já de noite eles partiram, os quatro. Levaram pouca coisa e foram a pé.
Não demorou para que o Pistoleiro notasse a ausência de Ana Maria e do Filho. Procurou por ela em todas as artes, gritou seu nome pela cidade enquanto os homens tentavam apagar o fogo. Mas sua mente só queria encontrar a mulher que o abandonou e que iria pagar.
***
Foi uma fuga rápida. Por um tempo acharam que seria fácil. Mas quando já estavam cansados o inconveniente aconteceu: Ana Maria começou a entrar em trabalho de parto, no escuro, no silêncio e solidão da noite.
Apenas iluminados pelas estrelas, o esforço começou. Era como vomitar uma rocha fervente, uma dor única e terrível para uma pessoa naquelas condições.
Continuou até verem a cabeça da criança... mas só isso. Ana Maria não conseguia empurrar mais.
"O cordão ficou enrolado no pescoço", disse o Homem de Chapéu, "vamos ter que abrir seu ventre".
Mas Ana Maria não se importava mais com o sofrimento, só queria ver seu filho.
A faca enferrujada entrou se cravou na carne em uma dor ainda pior. Seu Filho nem podia assistir.
Mas o sofrimento foi recompensado e eles viram.... uma menina, era uma menina e os olhos de todos se maravilharam. Mesmo com a lanterna fraca a imagem da criança ficou bem clara para o Homem de Chapéu e o Filho.
O sangue jorrou sem controle. O sorriso ao ver a filho foi substituído por uma expressão de dor e agonia. Os olhos se fecharam lentamente, mas o Homem de Chapéu ainda pode ouvir:
"Cuide de minha filha, cumpra essa promessa".
E Ana Maria morreu.
Eles enrolaram a menina em alguns panos, olharam para baixo e foram embora. Nem o Homem de Chapéu nem o Filho tiveram coragem de fazer ou dizer nada.
Dormiram longe dali.
***
De manhã havia o cano de uma espingarda apontada para a cabeça do Homem de Chapéu.
"Seu chapéu não é a prova de balas, então é bom se levantar".
Ele se pôs de pé lentamente. A figura do Pistoleiro era sinistra, mas o Homem de Chapéu não teve medo. E, se aguentando nas pernas, o encarou.
Haviam doze homens acompanhando o Pistoleiro. Eram treze canos prontos para disparar.
Mas uma coisa o Homem de Chapéu não reparou de primeiro: o sumiço das crianças.
"Eu sei que sabe mais do que eu", disse o Pistoleiro, "então me diga o paradeiro do moleque".
"Não sei o que aconteceu".
"Tu matou minha mulher!"
"Não sei para onde foram", o Homem de Chapéu tranquilo disse.
Algumas pessoas são bem dotadas pois Deus lhes dá esse poder desde o nascimento. O Homem de Chapéu podia sacar o revólver em menos de um segundo alguns diziam, mas nesse caso o Pistoleiro não levou um tiro antes dele.
Foi perto do coração, fatal. O Homem de Chapéu caiu no chão como uma pedra e encarou o céu azul e um momento de pura dor.
Mas ele também disparou. A mira da bala desviou e acertou a perna do seu rival.
A pele do Pistoleiro era dura como a de um animal selvagem. Mal sentiu dor, mas a bala sim atravessou.
Eles queria continuar a caçada pelo Filho, mas o Pistoleiro sentiu os primeiros efeitos do veneno. A náusea e dor. Foi levado de volta a cidade, mas não havia hospitais e nem centros de saúdo, apenas bares e bordeis. Depois de horas de agonia, o veneno da serpente o matou.
***
Um lindo céu azul com nuvens pálidas foi o que o Homem de Chapéu viu ao acordar. Ele sentiu a mão divina assim que abriu os olhos. O buraco em seu peito, cheio de sangue, não doía mais.
Ele pôde ficar de pé e começou sua caminhada. O dia escureceu e ele não parou, o dia clareou e ele não havia nem deitado para descansar.
Só queria chegar ao seu destino: Baixada dos Anjos.
Foi que no meio da estrada ele viu, vindo do mato, o choro de uma criança. Era uma menina, ainda enrolada nas mesmas cobertas, abandonada pelo pobre coitado do irmão.
O Homem do Chapéu continuou com o bebê nas mãos. Por horas a criança foi aquecida pela figura magnífica que o carregava.
No dia seguinte ele chegou onde queria, na Baixada dos Anjos e na frente do hospital da cidade ele deixou a criança, ainda chorando.
O Homem de Chapéu sentou na calçada e levou sua mão ao peito. A dor havia voltado e então tudo escureceu. Mas ele não tinha medo da morte, nem da treva.
Sua missão, sua promessa estava cumprida.
FIM
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