26 de outubro de 2019

Amor

O amor que sinto por você 
não tem medida, não tem tamanho
É uma amor por cada gesto, cada jeito
Uma queda por cada mania, cada defeito

E embora seja assim o meu amor
Eu estremeço só de te ver
Pois logo lembro que não posso te ter
pois você não aceita o meu amor

Mas como seria bom te ter comigo
Como seria bom provar desse sorriso
E enfim mostrar como te amo
E você me mostrar como tudo é lindo

Então deixo aqui o meu poema
Não duvide de minha emoção
Pois eu faria tudo para mostrar
que te amo de coração

Vida de Cachorro

Outro dia eu vi um documentário na televisão sobre hienas. Achei muito interessante. São criaturas que transpiram selvageria, seres que têm como a própria natureza a bestialidade. Aquele programa me tocou, senti inveja daquelas criaturas tão puras e felizes.

Eu não me considerava feliz. Odiava minha vida. Minha mulher era uma chata e meus dois filhos eram duas pestes. Meu emprego era terrível e eu tinha um péssimo salário, mal dava para sustentar minha família horrível. Estava atolado em dívidas. Vivia na base dos antidepressivos, remédios inúteis. As bebidas não resolviam, só pioravam.

Eu era infeliz assim até aceitar meu lado animal.

Queria viver de maneira simples, de maneira primitiva. Trabalho? Crianças? Contas? Isso tudo é desnecessário. O essencial da vida é comer, dormir e fazer o resto das nossas necessidades. Foi para isso que nascemos. A condição humana, isso é, a construção de uma sociedade com regras e normas estabelecidas, é falha.

Então decidi abandonar o homem dentro de mim. Mas tinha que escolher uma espécie nova. Eram muitas opções. Pensei em um gato, mas queria algo mais energético. Cavalos são criaturas nobres mas não serviria à minha causa ser subjugado por outro humano.

Cachorro. Escolha perfeita. Cães são bonitos e inteligentes. Além disso, eu contaria com uma fileira de presas afiadas e a permissão para perambular pelas ruas da minha cidade procurando por comida e árvores onde eu poderia mijar.

Assim, aconteceu um dia que eu tirei as minhas roupas, fiquei de quatro e comecei a me comportar como um cão. Comecei a me lamber e a morder ossos. Minha esposa chorou muito naquele dia, a coitada não entendia. Antes de abraçar a causa eu tentei convencê-la a se unir a mim, mas a idiota acha mais importante pagar os impostos idiotas dela. Tola.

Tive que sair de casa. Não precisava de uma casa, cães não tem casa. O mundo é minha casa, posso urinar onde bem entender e defecar onde bem quiser.

Tentei, inicialmente, fazer amizade com outros cães da vizinhança. Porém, acho que não gostaram de mim. Me cheiraram muito e latiram muito contra mim e eu, claro, lati em resposta. Falava bem a língua deles e tentei comunicar respeito, mas eles não pareceram me aceitar.

Viajei grandes distâncias fazendo tudo que um cachorro tem direito. Uivei durante a madrugada, briguei com outros cães e até conheci uma cadela bonitinha (não deu certo, acho que eu não fazia o tipo dela).

Enfim, conheci uma lanchonete onde jogavam os restos de comida em uma área no quintal. Humanos tolos, por que se incomodam em criar uma casa para servir comida se vão terminar jogando uma parte no lixo? O lugar acabou se tornando uma parada diária para mim.

Foi nos fundos desta lanchonete onde conheci... onde conheci meu amigo. É um cão, como eu. Mas não tem nome. Cães não tem nome, esse é um ponto importante. Animais não têm nome, é uma invenção humana idiota. Para saber quem é quem basta cheirar o rabo. Enfim, esse cão e eu viramos muito amigos e passamos o dia todo vadiando pela cidade. Formamos uma grande conexão, acho que é porque ele sabe o que significa ser um cachorro. Tem tudo a ver com a liberdade, somos livres para latir e rosnar.

Agora, aqui estou, uivando para a lua cheia. Posso ouvir os uivos que seguem o meu em resposta. É um coro, um coro que grita simultaneamente "nós somos irmãos". Tudo bem que alguns cachorros da vizinhança nunca me aceitaram, mas eles sabem, no fundo que sou um deles. Humanos são complicados, são cheios de regulamentos. Mas ser cachorro é ser livre.

Enquanto eu viver aceitando quem eu sou, só preciso me preocupar com uma coisa: correr atrás de meu rabinho e coçar meu pescoço com a pata traseira. Como é bom ser um cachorro. 

5 de outubro de 2019

O Pato


Cláudia sentou-se no banco à beira da pequena lagoa que existia naquela pracinha do centro da cidade. Gostava de fazer aquilo todo fim de tarde, assim que saia do expediente. Era um lugar bonito, cheio de árvores, cheio de verde, um clima bom. Sempre trazia alguns pães que comprava no caminho e que ficava distribuindo aos patos, estes se deliciavam com as migalhas e, como eram de uma espécie aparentemente violenta, muitas vezes se envolviam em brigas e disputas pelos maiores pedaços.

Sentada ali, Cláudia parecia tão solitária enquanto observava aqueles bichos. Parecia que o mundo todo, por vinte minutos, decidia se afastar dela e deixá-la num canto escuro e abandonado. Mas ela não se importava muito. Cláudia gostava de ouvir músicas com fone de ouvido. Tinha de tudo no celular. Não se importava com o que pensavam, só queria dar de comida aos patos ouvindo música.

Mas acabou se apaixonando, não pelos patos, mas por um homem que conhecera no parque. Era bonito, ela pensou. Não tinha a menor ideia de qual era seu nome, mas o achava elegante vestindo aquela camisa branca enquanto lia um livro. Ela pensou que poderia ser alguém importante e culto, talvez um intelectual. Cláudia percebeu que ele não ligava para os patos, só queria saber de ler.

Cláudia teve medo de se aproximar dele. Falar com ele? Loucura. Seria rejeitada ou mesmo ignorada. Ele parecia estar num patamar muito mais alto do que a pobre coitada que só queria alimentar seus patos.

Mas por que não tentar? Um dia ela resolver falar com ele, não pensou que alguma coisa poderia dar errado. Mas enquanto se levantava, acabou derrubando a sacola cheia de pães sobre seu colo, assim espalhando várias migalhas. Olhou para o homem para se certificar que ele não tinha visto aquele desastre. Não tinha, continuava no seu livro.

Mas o pior aconteceu aí: um dos patos viu as migalhas que ficaram grudadas em sua blusa e resolveu partir para cima. A ave deu um salto e atacou o tronco da pobre Cláudia, assim chamando a atenção dos outros animais que o seguiram em um gesto de gula desesperada. Quando o homem tirou os olhos do seu livro de poesias e olhou para o lado, viu uma mulher sendo violentamento atacada por um exército de patos, correndo pelo parque enquanto gritava por socorro.

Foi um desastre. Cláudia ficou arrasada. Pensou em nunca mais voltar para aquele ponto à beira do lagoa. Não queria nunca mais ver aquele homem. Os patos não vão sentir minha falta, ela pensou.

Já estava escurecendo enquanto voltava para casa. Tinha várias beliscões pelo corpo e penas que haviam entrado na sua blusa, caminhava com dores pela calçada. E então ouviu um som: quac! Olhou para trás e um dos patos a havia seguido. Cláudia fez um gesto hostil para o animal se afastar, mas depois de tomar distância ele voltou a se aproximar e seguiu a mulher até ela chegar ao seu destino.

Enquanto estava parada de frente a sua porta, Cláudia olhou para baixo e viu aquele pobre bichinho que provavelmente só queria mais um bolinho de manteiga. Deixou de sentir raiva e começou a simpatizar com ele. O pegou nas mãos e o levantou. O pato deixou escapar: quac!

Cláudia sorriu. Era o começo de uma grande amizade.

2 de outubro de 2019

O Mago

- Terminei.

Foi o que eu disse depois de jogar aquele monte de folhas na mesa do meu editor. Ele olhou com um cara de surpresa como se não esperasse que eu terminasse o livro.

- Está do tamanho que pedi? - ele perguntou.
- Sim. - respondi.

Disse que iria ler as primeiras páginas mais tarde naquele dia. Era um homem duro e seco, sua editora não tolerava romances cafonas e genéricos. O meu livro tinha que ser especial.

Me ligou dois dias depois. Falou sobre o que achou do livro: um monte de bosta. Disse que eu não tinha criatividade e que a história que eu havia escrito não tinha emoção, só um monte de palavras amontoadas. Disse que não publicaria meu livro e que eu teria que escrever outro do zero.

Desliguei o telefone com raiva e fui dormir furioso. Não aguentava mais ser comparado a alguém sem talento. Era o que meu editor dizia, o que minha esposa e meus amigos diziam. Afinal, qual seria o segredo de um bom escritor? Como fazer para entreter meus leitores?

No dia seguinte eu me pus a começar (de novo) o meu livro. Me sentei em minha mesa e abri o notebook. Lá estava a página, ainda em branco. Por muito tempo a encarei, perguntando com o que ela gostaria de ser preenchida. Que tipo de história quer que eu coloque em você, eu perguntava.

Mas, como era tarde, logo adormeci ali mesmo.

O que aconteceu naquela noite, durante o meu sono, foi algo extraordinário. Talvez tenha sido a responta do meu subconsciente à pergunta que fiz mais cedo: como ser um bom escritor?. Intervenção sobrenatural? Não sei, mas acordei diferente.

No meu sonho eu me encontrava em uma sala ou lugar completamente branco. Se haviam paredes, elas eram totalmente alvas, assim como as folhas de um papel em branco. Caminhei solitário e pensativo por um tempo. Parecia a vida real: tentando achar ideias para um bom livro. O que seria? O que agradaria aos meus leitores? Horror? Policial? Suspense? Fantasia?

Enquanto me fazia essas perguntas eu fui surpreendido pela voz de alguém vindo de trás de mim. Me virei e lá estava, para meu espanto, um homem velho. Parecia ter cem anos, barbudo e segurando uma bengala. Estava sentado sobre um banquinho que não estava lá antes.

- Quem é o senhor? - eu perguntei.
- Eu sou quem você estava procurando. - ele disse com uma voz gentil – Eu sou a História!
- Como assim?
- Ora, eu sou o filho da Imaginação!

Coçei a cabeça. Eu estava naturalmente confuso. O velho então estendeu a mão para o seu lado e do nada surgiu um banquinho onde eu pude me sentar e raciocinar melhor aquilo tudo.

- E o que o senhor está fazendo aqui, neste deserto? - eu disse.
- Este deserto é a sua mente! Eu vivo nela e sou fruto de tudo que você conhece. Não parece, mas eu sou muito mais poderoso do que você acha.

E então a História mais uma vez fez um gesto com a mão e surgiu, em nossa frente, uma paisagem composta por um rio, uma floresta e uma montanha e um campo verde. E então apareceu um enorme dragão vermelho que cobriu o céu. De repente, nós dois estávamos no meio daquele novo cenário. O velho continuou a gesticular, dessa vez com a ajuda de sua bengala (ou melhor, cajado) e apareceram cavaleiros erguendo espadas e feiticeiro malignos que tramavam magias negras no alto de enormes castelos.

Em um instante o cenário mudou mais uma vez. Tudo escureceu. Haviam agora túmulos por todo lugar. Mãos ossudas começaram a sair de dentro da terra e percebi que estava em uma história de terror. O sonho quase virou um pesadelo até cenário mudar mais uma vez. Agora estávamos em um navio pirata. E continuou mudando, passando por naves espaciais até tribos primitivas em planetas alienígenas.

O velho concluiu a apresentação com um gesto brusco e tudo voltou a ser um vazio branco. Eu estava maravilhado com tudo aquilo. Olhei para ele e disse:

- Uau! Isso é incrível. Eu queria ter tanta imaginação assim.
- Você tem – História disse – Está dentro de você. O importante é ter um ideia e ter paciência, deixe o peixe fisgar a isca.

Bateu o cajado no chão e fez uma pequena lagoa aparecer em nossa frente. Tinha agora uma vara de pescar em mãos e a jogou na água.

- Seja um pescador e colete seu fruto deste mar que é sua imaginação. A isca é como uma ideia e você precisa esperar que o peixe a morda!

Fiquei pensando naquilo olhando para o vazio que mais uma vez se abriu em minha frente. Coçei o queixo.

- É, só preciso de uma ideia. Mas qual?
- Elas aparecem! - o simpático velho disse, sorrindo.

Se levantou e saiu andando devagar. Abriu um portal em sua frente que dava para um bosque verde e abundante, um legítimo cenário de fantasia medieval. O observei partir e então acordei.

Quando despertei eu percebi que havia dormido sobre a minha mesa de trabalho. Mas minha mente estava clara: não era eu quem escrevia a História, era a História que escrevia a si mesma! Eu tinha que jogá-la no papel e então deixá-la crescer, como uma árvore.

Eu só precisava de um ideia! Mas qual? Me lembrei que tinha um caderno com várias anotadas. O vasculhei, mas nada me agradou. Eram só sinopses pouco interessantes. Eu precisava de algo simples, único e incrível.

E então algo passou pela minha mente, uma lembrança de meu sonho! É isso, eu pensei. Seria o começo de uma grande História.

Comecei a digitar no computador:

"Era uma vez um mago que lutava usando a sua imaginação"

Meu editor vai adorar.

Meu Amigo, Stalin


E se eu os contasse da época em que eu fui vizinho de Josef Stalin?

Essa história inacreditável aconteceu faz muitos anos. Eu havia me mudado para São Paulo e fui morar em um cortiço alugado, um quartinho barato nos fundos de um casa. Por muitos dias eu morei ali, sossegado, sem achar que me tornaria vizinho de um ditador comunista. Até que, numa manhã de segunda, ele chegou.

E não é que era a cara do líder soviético? O grosso bigode era o que mais se destacada em seu rosto volumoso. Era gordo e atarrancado, andava de um jeito devagar. Para deixar a história ainda mais cobulosa para vocês, leitores, lhes informo que ele falava com um sotaque carregado que só podia ter vindo, a partir do pouco conhecimento geográfico que eu tinha na época, do interior da Rússia!

Cumprimentei-o assim que chegou e ele lançou-me um olhar de desconfiança. 
Mas foi assim só no começo. Depois de uns dias eu estava tomando chá na casa dele (ao lado da minha).

Viramos bons amigos. Me dizia com convicção que era realmente o verdadeiro Stalin. Afirmava que tinha fugido da Rússia e agora vivia no Brasil pois "era mais quente". Ah, e também, claro, para fugir do perigo fascista que crescia na Europa.

Embora eu tenha pensado em ligar para o hospício para verificar se algum paciente havia fugido, logo joguei fora essa ideia. Tinha ali um bom vizinho. Stalin costumava cozinhar comidas típicas de seu país e batia na minha porta de noitinha para oferecer um pouco. Fomos para o cinema juntos uma vez, embora ele não tenha gostado da cultura capitalista. Preferia ficar em casa.

Todas as manhãs eu ouvia, da casa dele, o som do hino soviético tocando. Era religioso para Stalin, todos os dias. Louco ou não, ele passava por Stalin.

Mas então, um dia, enquanto conversava com ele na minha casa, o telefone tocou. Ele foi correndo até seu quarto alugado e começou a fazer as malas. Eu, sem saber o que estava acontecendo, perguntava:
- O que houve?
Mas só recebia respostas que não faziam sentido.
- Eles chegaram! Estão invadindo! Moscou está sob perigo! Preciso ir!

Fez suas malas e e em pouco tempo foi embora. Nem se despediu direito de mim. O dono do cortiço ficou tão perdido quanto eu, assim como o resto dos inquilinos.

Nunca mais o vi desde então. Tenho saudades de Stalin, meu amigo daquelas épocas. Enquanto escrevo isto sentado à minha mesa, eu estou olhando para um retrato ao meu lado de nós dois no dia que fomos à praia.

Me pergunto o que ele está fazendo hoje ou mesmo se ainda está vivo ou morreu durante alguma guerra imaginária. Vida longa ao líder.