Marcos lembrava-se bem do
rosto de sua vítima. O jovem ladrão nunca antes havia visto um
rostinho tão lindo. Era de um natureza que por si só desafiava o seu
jeito marginal de ser. Aconteceu numa rua pouco movimentada. A moça
loira caminhava pelo calçamento, provavelmente voltando do trabalho.
Parecia ter condições, admirável como resolveu ir a pé. Pouco ela
sabia que Marcos já planejava naquele dia cometer um assalto. Já
fora molequinho malandro, criado nas ruas, esperto para a maldade.
Roubava para depois vender. Assim funciona o crime. As consequências
não são estimadas por esses tipos bandidos. O mesmo valia para
Marcos. No momento em que avistou a moça, esta estava de costas para
ele. Marcos pilotava uma moto. Não usava capacete e nem óculos, só
um boné. Era bandido solitário, mas um prodígio, e era corajoso.
Não fora seu primeiro assalto.
- Passa a bolsa! - ele
disse, enquanto apontava o revólver na direção da garota, que não
era mais velha do que ele.
O velho trabuco tinha anos
de uso e mais parecia um ferro-velho. Nem dava mais tanto medo,
parecia peça sem uso. Mas a moça, que era de classe, se espantou.
Assim que ela se virou, Marcos pôde ver seus lindos olhos que logo o
encantaram. Ela tinha uma leveza e boniteza nos modos, mesmo
assustada perante a realização do crime. A sua expressão de
terror, mesmo realçando os traços grossos de seu rosto, ainda
conseguiram conquistar Marcos.
Porém, mesmo sob o efeito
do amor à primeira vista, Marcos não hesitou em concluir seu plano
maléfico. Tomou a bolsa da moça e foi embora. Antes de ir,
entretanto, uma rápida consideração cruzou o consciente do
bandido: e seu roubar um beijo de minha vítima? Contudo, não o fez.
Pensamento bobo. Acelerou e saiu dali o mais rápido possível. A
ideia de ser pego pela polícia fazia cada fibra de seu corpo tremer.
Já não era menor de idade e não gostava da ideia de ir para
a cadeia.
Mas uma coisa era certeza:
apaixonara-se.
Não viu a moça mais. Seu
coração, todavia, era dela. Marcos tinha roubado da moça e ela
roubado dele. Ladrão rouba ladrão. O que faria? Não parava mais de
pensar nela. Voltou para casa, isto é, uma moradia aos pedaços que
ficava nos subúrbios. Habitava uma parte pobre e escura da cidade,
terra de bandidos como ele. Assim era a vida. E enquanto voltava ao
seu lar, fantasiou mil e uma cenas, recriando incontavelmente os
eventos de mais cedo enquanto assaltava aquela senhorita.
Infelizmente, a única memória que tinha dela consistia de um
semblante de medo. Não gostava de pensar naquilo. Fez mudanças
quanto a sua cara. Imaginou-a rindo; não conseguiu.
Marcos tinha que fazer algo.
Precisava revê-la. A primeira coisa que pensou foi em verificar sua
identidade pelo celular roubado. Era bloqueado. Tinha que vendê-lo
de qualquer forma. Precisava do dinheiro. O que um ladrão apaixonado
poderia fazer? Foi na mesma rua que a assaltara nos dias seguintes,
mas nunca mais a viu. Passou muito tempo rodado pelas ruas próximas
do ocorrido pateticamente procurando por ela. Nada. Já não pensava
mais na vida criminosa a qual tanto dedicava tempo e energia. Só
pensava em coisas boas, puras. Com o passar dos dias, pode sentir o
seu coração canalizar emoções positivas. Para ele não havia
dúvida: estava sob o efeito do amor. Fora picado e o veneno já
chegara à sua alma. Sentia-se grato por aquilo, grato pelo amor que
sentia. Queria retribuir todas aquelas emoções, todo aquele amor.
Marcos queria vê-la mais do que qualquer coisa. Queria tê-la em
seus braços, beijá-la, dizer quanto a amava. Era um bandido com
muito amor para dar.
Contudo, não conseguia
parar de pensar em certos cenários como o de uma possível rejeição
por parte dela ou de um amor impossível. Afinal, tratave-se de um
reles assaltante, um habitante das mais escusas vielas da cidade, um
filho do lado negro da sociedade, um marginal sem futuro. Ela, por
outro lado, era talvez uma médica ou algo parecido, uma excepcional
membra da sociedade em pleno exercício de suas funções como
cidadã, orgulhosa de si e virtuosa. Como poderia terminar bem essa
história? Tais considerações mantinham-no acordava durante a
noite. Mas mesmo com tantos pesadelos envolvendo uma paixão distante
e fria, havia sonhos doces em que se imagina vivendo entre seus
seios, provando de seu beijo e cheirando a fragrância que cobria o
seu ser. Tais sonhos faziam-no acordar com um largo sorriso no rosto.
Marcos não desistiria fácil.
Mirabolou, então, uma ideia
que beirava o ridículo. Mas não tinha tempo para discriminar o
normal do absurdo. Tinha um plano. Iria atrair a atenção e então,
talvez, ela aparecesse para ele. Certo dia, saiu de casa com um
revólver em sua mão. Era o mesmo velho trabuco. Chegou a pensar em
jogá-lo fora, não gostava de lembrar-se da memória em que ameaçava
aquela anjo de mulher com tal grotesca tecnologia. Não precisaria
usá-lo. Bastava chamar a atenção de algum policial que circulava
em local pública. Chegou perto de um guarda e apontou para ele. Foi
simples assim. Foi imediata a reação do oficial, que logo sacou a
sua e pôs Marco no chão. Foi rápido.. No minuto seguinte já
estava na viatura indo à delegacia com um sorriso no rosto.
As câmeras logo vieram. A
melhor ideia que Marcos já tivera. Estava dando certo. Um repórter
de algum programa policial chegou perto dele e foi fazendo perguntas.
Marcos, muito empolgado, foi respondendo cada uma e fazendo questão
de adicionar sua mais importante mensagem enquanto olhava para a
câmera:
- Eu fiz isso por você...
não sei quem você é... nem lembro o seu nome. Mas um coisa é
certa: estou apaixonado por você. Se você está assistindo isso,
meu amor, espero que se lembre de mim, o bandido que roubou sua bolsa
outro dia...
Aquela entrevista, depois
que foi ao ver, virou um sucesso instantâneo na internet e em redes
sociais. Marcos ganhara a fama de bandido apaixonado. Acabou, como
era de esperar, na cadeia. Mas sua família, distante mas ainda
assistente quando necessário, havia conseguido um advogado para o
rapaz e tinha esperanças de tirá-lo daquela condição. Iria apelar
para o verdadeiro motivo por trás da ameaça contra o policial:
chamar a atenção. Talvez convenceriam o juiz de que ele não estava
em pleno exercício das faculdades mentais. Ou seja, enamorado.
Chegou o dia em que iria se
encontrar com seu advogado. Não foi avisado, porém, que se tratava
de uma advogada. Quando entrou na sala, viu, sentada à mesa, uma
jovem de cabelos loiros e olhos lindos. Estava de terno e bem
produzida, mas Marcos a reconheceu instantaneamente. Era aquela mesma
pessoa que ele havia assaltado semanas atrás. A mesma proporção,
os mesmos jeitos, o mesmo olhar, o mesmo ser.
Marcos a fitou profundamente.
Ela o fitou também.
- Olá, sou a doutora Carla.
Sente-se, por favor. Deixa eu te tirar desse lugar.
O que se segue é uma
história de bandido e princesa que é grande e espetacular demais para caber em um mero conto.
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