- O que o s-sinhô qué qui mim faça?
- Olha, Mim, isso parece um tanto estranho, mas hoje à noite eu vou receber uma garota aqui em casa e eu quero te usar para impressionar ela, sabe?
- Mim qué ir embora, mim com medo!
Me levanto e abro a geladeira em um empurrão. Mostra um pedação de carne para a criatura, que arregala os olhos como se fosse o precioso dele.
- Isso vai ser seu se você me ajudar.
***
Faz tempo que não me olho no espelho. Essa camiseta minha, esse penteado maneiro (nem passei gel) e esses sapatos até que me deixaram legal. Passo um litro de perfume em mim, abro um buraco na camada de ozônio com o spray. Mas o que não se faz num encontro?
A porta abre e lá está ele: Mim, vestido para a ocasião.
É bizarro, mas eu consegui deixá-lo elegante, ou pelo menos algo perto disso. Só precisei pedir emprestado as roupas do meu sobrinho Lucas. Mas ficou bom.
São 19:48, o que quer dizer que Denize está chegando. A mesa está pronta, eu estou pronto, o Mim está pronto. Até meu PC está pronto Apaguei todo o conteúdo "inapropriado" dele, caso Denize queira dar uma olhada.
Mim está no meu quarto devorando um pedaço grande queijo que estava na geladeira fazia um mês. Faltam cinco minutos para 20:00, mas já ouço o carro parando lá fora. A maçaneta se mexe, a porta abre. Minhas pernas estão congeladas.
- Senhor, aqui está sua pizza.
Alerta falso. Pelo menos agora tenho algo para comer e acalmar o estômago e a cabeça.
O entregador vai embora. Minutos se passam. Já são 20:03 e nada. A Denize teria se atrasado? Sabia que eu deveria ter ido para a casa dela. Mulheres nunca veem até nós, somos nós que devemos ir até elas.
Sinto meus olhos mais pesados conforme o tempo passa. Já são 20:10 e nada. Já são 20:12 e o Mim continua comendo meu queijo. Já são 20:15 e eu estou dormindo, estirando no sofá como um trapo sujo.
Aproveito para ter sonhos. Dessa vez eu estou numa praça de noite. Denize está na minha frente, com aquela carinha de anjo dela. Estamos quase nos beijando quando sinto uma facada nas minhas costas, literalmente um facada. Me viro e lá está o desgraçado, mas não posso acreditar. É Mim, sorrindo.
Aí eu acordo.
Posso ouvir um carro estacionando lá fora. Me levanto em um salto. Olhos no relógio e são 20:26. Dou uma arrumada nas minhas vestimentas, meu cabelo.
Vou correndo até o meu quarto ver qual é a do Mim e o encontro dormindo como um panda em cima da minha cama. Aquele queijo estava bem duro, até para os dentes dele. Para não ter nenhuma confusão, tranco a porta.
Dane-se Mim, ela está chegando!
A porta se abre e lá está, minha deusa. Está vestida num lindo vestido preto. Ela poderia ter escolhido algo melhor, como amarelo ou vermelho, ficaria um contraste melhor com a pele dela... ah, dane-se.
- Você está ótima!
- Sério? - ela diz sorrindo, graciosamente.
- É... mas eu falo da sua aparência. Quer dizer, eu não conheço da sua saúde. - eu digo, sempre agindo como um retardado.
Ela ri e eu convido ela para se sentar. Até agora está tudo indo muito bem! Conversamos sobre tudo. Ela está estudando psicologia, e eu estou estudando ela.
Até agora, nada de Mim.
***
Mim acorda. Mim confusu. Ó, é! Sinhô Ricardo queria mia ajuda. Mim tem que vê namorada de Ricardo. Pedaçu de queiju muito bom, mas muito duru!
Tento abrí a porta, mas tá fechada! Quem fechô? Será que foi o Ricardo? Por que ele faria issu?
Olho ao redô do quartu e veju uma janela aberta. Aberta! Possu escapá e mi encontrá com Ricardo e namurada!
Mas janela muito alta! Mim usá cadeira para subí e pulá. Caiu em cima de lama. Quintal da casa de Ricardo é muito suju! Saiu correndu pela noiti escura, sorti que ninguém mi vê.
***
- Quando eu era pequena eu gostava de fingir que era homem. - diz Denize.
- O que? Que merda?
- É. Eu gostava de esconder meu cabelo e vestir as roupas do meu irmão. Aí eu andava pelas ruas batendo nos outros meninos.
Enquanto meu queixo se quebra ouvindo aquilo, ouço batidas na porta. Batidas pesadas. Tenho que pedir licença, mas ainda saio ganhando por não ter mais que ouvir aquela história.
Abro a porta e lá está meu amiguinho Mim! Cheio de lama e lodo, parece meu tio Jaílson. Ele escapou! Eu deixei a janela aberta. Nossa, eu não sabia que meu quintal era tão sujo.
- O que está fazendo aqui? Você está todo ferrado! - sussurro.
- Mim preso em quarto, mas Mim escapar!
- Sim, mas agora é tarde.
Saio para fora e fecho a porta, na esperança que Denize não perceba a conversa.
- Faz o seguinte: no quintal tem uma torneira que eu uso para aguar as plantas. Tire suas roupas e se molhe lá. Depois entre de volta no meu quarto pela janela e pego outras roupas. Mas pegue roupas bonitas, nada exagerado! Tenha bom gosto. Agora vá!
O pequeno Mim desaparece na escuridão, rumando o meu quintal. A vida dele deve ser horrível. Entre de volta em casa e lá está meu anjo sorrindo, um tanto que desconcertada. Parece até assustada. Mas quem deveria estar assustado sou eu, ora, depois de ouvir as "brincadeiras" de infância dela.
- Com quem você estava falando? - ela pergunta.
- Com o entregador de pizza. Ele veio pegar o troco.
- Mas eu não vi nenhuma moto lá fora...
- Ele anda de pé por aí entregando pizza. A pizzaria é aqui perto.
Sento-me, ainda com uma dor de cabeça. A menina olha para mim, não sei pensando o que. Mas eu estava preocupado com o e.t. no meu quarto.
Peço licença de novo e vou até meu quarto. Abro a porta e vejo Mim dentro de um vestido. Pelo menos ele está limpinho!
- Eu encontrei rôpa boa pa mim. - ele diz.
- Mim, essas são roupas da minha irmã. Esse é o vestido da minha irmã. Ele tá de férias e deixou elas aqui.
- Mim gostar da cor, mim gostar de rosa! Mim pronto. Mim quer aquele pedaço de carne! Ricardo prometeu!
- Tá bom, tá bom. Que merda. Vamos lá. Mas não faça vergonha!
São 20:50. Tem um bicho no meu quarto vestido de mulher e uma linda garota me esperando na mesa. Eu vou mostrar esse bicho branco para essa linda garota para ver a reação dela. Eu sou louco.
- Você parece muito ocupado, Ricardo. - Denize diz assim que eu apareço.
- Olha, Denize, eu tenho que te apresentar um amigo.
- Amigo?
- É. Eu sei que esse é nosso encontro, mas é um amigo muito legal. Você precisa ver.
- Tudo bem. - ela ri.
- Mim, pode vir!
Lá vinha o Mim. Naquele vestido rosa ridículo, como um travesti de outro planeta. Aquela cara selvagem e perdida dele, até cômica. Seu caminhar era atrapalhado. Até eu ria.
- Esse é Mim. - eu digo.
- Oi. Mim gostar de queijo. - diz Mim.
- Ual, esse é o seu amigo?
- É sim, é um pouco esquisito. Na verdade eu nem sei o que ele é. Encontrei o Mim roubando minha geladeira no meu da madrugada dois dias atrás. Eu na verdade vou matar ele mais tarde. Mas podem brincar agora.
Mim se senta na mesa, subindo na cadeira para ficar na nossa altura. Parece uma criança. Talvez seja.
Mas uma coisa estranha eu raparei: o jeito que Denize olha para Mim. Ela está mais fascinada com a criatura do que comigo! Não acredito.
- Então, Denize, você já viajou para o exterior alguma vez? - eu tento começar. - Eu fui para Paris faz quatro anos. A comida de lá é horrível, não acredite no que dizem. Franceses são uns filhos da mãe.
Mim devora as frutas deixadas em cima da mesa como se fosse sua ultima refeição. Mas espera, é sua ultima refeição!
- Eu gostei do seu vestido, Mim. - diz Denize, me ignorando, para a minha surpresa.
- Brigadu. - ele responde.
- E você já foi à algum jogo da copa de 2014? Eu vi o 7x1 com o meu pai. Ele ficou chorando por uma semana. - eu tento mudar de assunto.
Denize continua fixando os olhos em Mim, como se ele fosse seu namorado. O encontro agora parece ter seguido outro rumo.
- Ei, eu ainda estou aqui. Denize, esse é nosso encontro.
- Do que você está falando, Ricardo?
- Não me ignore! - eu grito, raivado.
- Não fale assim comigo! Mim consegue ser mais adorável do que você, mesmo falando pouco! - ela se levanta.
- Você ficou doida? - eu me levanto também. Mim parece um retardado olhando para os lados.
- Vamos, Mim, vamos embora. Esse idiota só vai te causar desgraça! - diz Denize.
- Não, Mim, fique comigo! Eu vou te dar o mais suculento pedaço de carne que existe. Tony Ramos vai ficar com inveja!
Mim, indeciso, olha de lá para cá com aquele olhar de cachorro abandonado. Ele enfim se levanta e parece decidido entre uma garota cuidadosa e uma maluco que vai matá-lo em alguns horas.
- Prefiru ficá com mulhé que não tranca nois no quartu.
- Seu desgraçado! Traidor! Depois de tudo que passamos é isso que você faz? E o pedaço de friboi que eu vou te dar?
- Num queru. Mim gostá de Denize. Pareci tê gosto bom.
- Viu? Adeus, Ricardo.
Meu coração se parte vendo aquela cena. Meu futura namorada (as coisas estavam saindo bem) ficando com meu "melhor amigo" (amigo útil. É daqueles momentos que bate uma tristeza em você. É quando você repensa as coisas e vê que o que tu fez foi errado, tudo errado. As coisas teriam sido melhor sem Mim, com certeza.
Vou para o meu quarto me deitar, esfriar a cabeça. Nem tiro as roupas. Mas antes de me jogar na cama eu vejo um bilhete lá. Está escrito numa caligrafia horrível, mas consigo entender algumas coisas.
Foi escrito por Mim, aparentemente.
"Mim qué grandi pedaçu de carni. Mim cum fomi. Ricardu é fio da mãe. Mim não gosta dele. E pedaçu de queiju nem ser tão bom. "
Sério eu não deveria ter me levantado naquela madrugada.
FIM.
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