Era um ônibus velho, de péssima aparência. Parecia que ia desmoronar a qualquer momento. Mesmo assim eu entrei sem medo. Eu estava bastante cansado e queria chegar o quanto antes em meu destino. Apertei as alças de minha mochila e entrei.
Estava lotado. Cidade grande, não importava o horário o coletivo estaria sempre cheio. Me sentei perto da janela, o banco ao meu lado se tornou o único desocupado do veículo.
Logo veio um senhor e se sentou ali. Tinha uns sessenta anos, moreno, usava chapéu. Parecia uma boa pessoa.
E então o ônibus avançou, chacoalhando pelas ruas da cidade. Passamos por um prédio velho e abandonado e cercado de mato.
- Eu já morei ali - disse o homem que havia se sentado ao meu lado. O dedo enrugado dele apontava para o edifício no horizonte. E então ele começou a preparar um cigarro.
- Não pode fumar aqui - eu avisei.
- Nesse ônibus eu posso - ele respondeu secamente com aquela voz de velho - Quando e era jovem morei ali onde passamos. Fui expulso porque não consegui mais pagar o aluguel. - Deu uma baforada.
- É uma pena. Já aconteceu muita coisa triste comigo também - eu disse.
- Acontece com todos. Aonde vai?
- Vila da Cova Funda.
- Também - continuou fumando.
A noite chagava. Passamos por um bairro de classe média. Casas com garagens, ruas bonitas. Apontei para um residência.
- Minha namorada mora ali - eu disse.
- Deixa eu adivinhar: você está se mudando para Cova Funda por causa dela?
- Sim - eu respondi surpreso - Como sabe?
- Todos nesse ônibus estão indo para aquele bairro, garoto. Sempre é por causa de algo dos passado que os fez mal. Está vendo meu cigarro? Por causa dele estou me mudando.
- Não vejo bagagem sua - eu disse apertando minha mochila.
- Não preciso.
Continuou fumando. Já era noite e estava ficando cada vez mais frio. O motorista começou a parar o ônibus e várias pessoas começaram a sair em diferentes pontos.
- Esse é um ótimo bairro - o velho disse - É um bom lugar para descansar.
- Foi o que eu ouvi. Por isso estou nessa viagem. Minha namorada fez algo horrível para mim... Eu não aguentei.
- No meu caso fui eu quem condenou a mim mesmo - ele deu uma profunda baforada.
O coletivo já estava se esvaziando. Então parou bruscamente em uma rua escura e isolada.
- Chegamos - o velho disse.
- Também vou descer aqui - acrescentei.
E descemos. A escuridão era enorme. O ônibus acelerou e nos deixou sozinhos. No começo sentimos muito medo, mas então surgiu uma luz. Pensamos que fosse um carro, mas começou a englobar o horizonte inteiro e se tornou um enorme astro.
Meu coração se encheu de alegria, o medo havia ido embora. Eu olhei para o meu lado e o velho estava sorrindo.
- Estou tão cansado.
E caminhamos em direção à luz.
FIM
18 de agosto de 2019
17 de agosto de 2019
Capitão América e a Mudança
Todos nós passamos por mudanças em nossas vidas. Seja na puberdade ou na velhice, seja quando você troca rock por jazz ou um(a) namorado(a) por outro(a). Sempre acontece. Algumas vezes é bom e algumas vezes é ruim, depende da pessoa. No caso de Capitão América da série da Marvel Studios, a mudança foi em escala cósmica, mas ele nunca se esqueceu de sua missão.
Nascido no Brooklyn e crescendo no período entre guerras em um país afundado em crise, Steve Rogers, rapaz magro e fraquinho, tinha um bom coração. Quando encurralado por um valentão num beco, se não fosse por seu amigo Bucky, resistiria até o último golpe do adversário.
E então veio a guerra.
Steve chamou a atenção de Abraham Erskine, cientista alemão que fugiu do regime nazista e que agora trabalhava em um projeto do governo para criar um super soldado. Antes de sua transformação em Capitão América, Erskine disse ao jovem Steve:
Aconteça o que acontecer amanhã, você continuará sendo não um grande soldado, mas um bom homemRogers respondia:
Eu não gosto de valentões, não me importo de onde vêmE então Steve se tornou o primeiro Vingador. Pela Europa ele enfrentava os mesmo inimigos que ouvia a falar a respeito em casa: nazistas. Mas então ele ficou sabendo de ameaças muito maiores (HYDRA) e até da existência de outros mundos.
Ele acabou sendo congelado até 2011. E era um mundo novo quando acordou. Logo ele acabou sendo recrutado pelos Vingadores e pela primeira vez lutou contra alienígenas. Os inimigos foram de alemães para seres de outros planetas. As coisas tinha mudado em 70 anos!
Mas o maior choque veio com a revelação de que a SHIELD, que Steve tanto respeitava como um bastião de ordem e justiça, era na verdade interna e secretamente controlada por agentes da HYDRA. O seu adversário original ainda existia, e o Capitão viu como tudo que ele acreditava podia ser só um ilusão. E ficou pior com o ressurgimento de Bucky, agora o Soldado Invernal, um velho amigo agora lutando contra Steve. Inversão, os bonzinhos eram os maus e não havia em quem confiar.
E então a sua última aventura mostrou que até entre aqueles poucos em quem Steve havia depositado sua confiança ele encontrou oposição. Os eventos de Guerra Civil mostraram como o passado escondia segredos e como mesmo contra o mundo ele não deveria esquecer das palavras de Erskine.
O que a trilogia nos contra? A história de um homem que descobre um mundo cheio de muitos problemas, mas que mesmo com todas as adversidades ele nunca desiste. Em Guerra Infinita o Capitão tenta parar o soco de Thanos, muito mais forte do que ele. E em Ultimato, durante a batalha final quando ele é derrubado e tem seu escudo partido, Steve ainda caminha em direção ao exército inimigo, determinado a enfrentá-los.
Mas o arco do personagem mostra também que não importa quem seja, as mudanças sempre terão algum impacto. Mesmo Steve é afetado. No final do filme, em sua viagem para devolver as Jóias, ele decide voltar para nos anos 40 para viver a com Peggy, a mulher que sempre amou mas que perdeu pois o tempo havia mudado.
Mudanças podem ser ruins ou boas. Mudanças sociais doem, por muito tempo a ideia de um negro livre era loucura. Muitos se opuseram à mudança desse cenário, assim como no caso dos direitos das mulheres e dos homossexuais. Mudanças doem, mas algumas vezes são necessárias. Mas o importante, como sempre, é manter um bom coração, como o Doutor Erskine falou. Para Steve Rogers foram necessárias para que ele mudasse sua visão, e ele ainda conseguiu salvar o mundo. Talvez seja o que nós todos precisemos, mudar nossa visão.
13 de agosto de 2019
A Tragédia de Anakin Skywalker
Se você perguntar para um leigo quem é o vilão de Guerra nas Estrelas, a resposta seria Darth Vader. Mas isso não é fato. O vilão da saga (os seis filmes, aqui excluo as sequências da Disney) é na verdade Palpatine (Darth Sidious, ou ainda O Imperador), já que é ele o responsável pela criação do Império e pela queda dos jedi.
Onde se encaixa Darth Vader então? É óbvio que ele é o protagonista, não só dos três primeiros filmes como também da trilogia original. É o conceito de vilão trágico. Vemos as origens de Anakin como um escravo em Tatooine, passando pelo seu treinamento na Academia, seu caso amoroso com Padme e enfim a sua transformação. Vendo todos os filmes da série sob um ponto de vista unificado, principalmente considerando o que acontece a ele no final de O Retorno do Jedi, fica claro que ele era mais uma vítima. Vou explicar direito.
Anakin nunca foi livre. Nunca. Na verdade ele foi, mas apenas nos últimos minutos da sua vida. Uma liberdade curta que ele mal chegou a desfrutar. Uma liberdade que ele nunca teve pois o garoto nasceu como escravo.
Crescendo sem pai e sendo criado sozinho pela mãe, a Shmi, Anakin tinha três anos quando foram comprados por Watto, um toydariano dono de uma loja de peças usadas em Mos Espa, Tatooine. Dois escravos.
Anakin viu futuro na vida como um jedi, já que a ele foi oferecida a oportunidade de ir treinar os caminhos dos cavaleiros da força em Curuscant com Qui-gon Jinn. Por um tempo ele se achou livre, mas continuava sendo subjugado pelos códigos da Ordem Jedi. A saudade que sentia da mãe era reprimida. O fascínio pela sua paixão de infância, Padme, também era mal vista por ele mesmo. Por muito tempo ele foi escravo de seus deveres. Para muitos é uma coisa nobre e para Anakin também era. Mas por causa disso ele perdeu a mãe.
Quando enfim virou um cavaleiro ele ainda não conseguiu se descorrentar. O Conselho nunca confiou nele. E então Palpatine começou a manipulá-lo e ele virou mais uma vez um escravo. Agora era um servo do medo, pois temia a morte da esposa no parto. Buscando desesperadamente uma maneira de impedir esse futuro horrível, ele se tornou aprendiz do Lorde Sith. Quando se deu conta, já era tarde.
"É tarde demais para mim, filho."
Somente no fim de sua vida ele conseguiu ser um pouco feliz. Quando traiu seu mestre a bordo da Estrela da Morte II, Darth Vader recebeu uma descarga fatal de eletricidade e sua armadura parou de funcionar, matando o Lorde Sith. Em suas últimas palavras para o filho Luke, Anakin pediu para olhar nos olhos do garoto. Naquele momento ele foi livre, pela primeira vez. Sem donos, sem mestres, sem coleiras, sem dor. Em paz. Livre.
Afinal, ele era humano.
Essa é a premissa por trás do personagem. Darth Vader é mal, mas ele também tem medo. Ele também sente dor, até mais que os mocinhos.
Em sua batalha contra Obi-wan em Mustafar, Anakin teve seus braços e pernas decepados. Seu corpo recebeu queimaduras terríveis e ele sofreu danos permanentes em seu corpo. Para garantir sua sobrevivência, Palpatine o vestiu com uma armadura negra, mais um computador. A vestimenta o mantinha vivo e reduzia suas dores, que ainda assim continuavam atrozes.
Mas por que Darth Vader fazia coisas tão bárbaras como matar dezenas de crianças e assassinar seus próprios generais? É porque ele se alimenta disso. Sua natureza má o mantém vivo, pois era o que Palpatine precisava para dominá-lo. Anakin já havia ido longe demais, por isso ele nem considerava a ideia de voltar para o lado bom da Força.
Podemos observar casos parecidos no mundo real. Assassinos que não apresentam distúrbios ou problemas mentais costumam ter razões emocionais complexas por trás de atrocidades cometidas por eles. Homicídios passionais são um exemplo. Também observa-se históricos trágicos em vidas de mass shooters, os atiradores que chegam a matar dezenas. Estes chegam a escrever manifestos inteiros relatando suas vidas frustradas e tristes e como os massacres cometidos serviriam como uma "retribuição".
Enfim, ao mesmo tempo que Anakino era uma máquina - ou melhor, um ciborgue - criado para servir o mal, um impiedoso e implacável comandante das trevas, ele também foi uma vítima e no final um herói quando matou o Imperador.
11 de agosto de 2019
Carnificina
A minha mão tremia. A faca que eu segurava, antes reluzente, agora tinha sua lâmina coberta de vermelho. Eu já tinha dado a primeira facada e estava nervoso, não tinha forças para continuar. Era a primeira vez que eu fazia aquilo.
Ao meu lado, minha namorada. Tirei os olhos da faca e os pus nela. Seus olhos brilhavam, um brilho ímpar, mas no fundo havia alegria. Estava feliz por mim.
- Continua. - ela disse.
O suor descia pelo meu rosto. Na minha frente estavam meus amigos. Que situação estranha. Meu camaradas Rodrigo e Paulo estavam lá e Marcos também.
Todos aguardavam o próximo golpe, todos ansiosos em me ver cortando aquele corpo gordo e macio em cima da mesa como um açougueiro que estilhaça uma perna de porco.
Desci a arma branca lentamente. A lâmina entrava, o fluído vermelho jorrava, o cheiro era único, um cheiro que todos ali apreciaram.
Então, eu coloquei aquele pedaço num pequeno prato que estava ali perto e o levantei.
- Feliz aniversário! - todos disseram.
Eu nunca quis uma festa surpresa.
9 de agosto de 2019
Thanos e o destino
Possivelmente o maior vilão que já apareceu nas telonas nos últimos anos, Thanos e um exemplo de um personagem bem engenhado. Um antagonista que serve também como protagonista, tão odiável quanto adorável. Mas o que torna suas motivações tão geniais?
Vilões são ótimos quando nós podemos compreender as razões de seus atos, quando há um sentido, por menos que seja, por trás de suas ações. Ninguém se lembra de um vilão que "é mal só porque é mal e pronto". Um bom exemplo é Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas. Ele é incrível por ser movido pelo caos, assim como Thanos é movido por seu passado trágico e seu destino.
Nos quadrinhos, ele quer obter as seis Jóias do Infinito para poder matar metade do universo, isso é, aniquilar cinquenta por cento de todas as formas de vida inteligentes que existem. Tudo para agradar a deusa da morte. No cinema, no entanto, o fator do genocídio cósmico foi mantido, mas os roteiristas da Marvel Studius mudaram a motivação dele: agora, o vilão buscava o equilíbrio.
Nascido em Titã, Thanos era um membro respeitado de sua espécie. Ao prever uma extinção por falta de recursos, ele tentou alertar seu povo, argumentando que se nada fosse feito toda a vida no planeta seria dizimada. A solução encontrada por ele foi a de matar metade da raça em uma chacina desesperada. Ninguém o ouviu e a sua profecia se concretizou. Titã virou um mundo morto.
Thanos ficou traumatizado e um complexo foi formado em sua mente. Ele havia perdido seu povo, não deixaria que isso acontecesse a mais nenhuma espécie. Então, o tiã louco partiu pelo universo causando genocídios pela metade de populações, tudo com a ajuda de seu exército e da Ordem Negra.
Então ele ouviu sobre as Jóias do Infinito e o poder que elas tinham e por muito tempo ele as procurou. Aí aconteceram os eventos dos filmes dos Vingadores.
O que tem de brilhante nisso tudo? Thanos é um sobrevivente, como ele mesmo diz. As suas ações são, para ele, totalmente justificadas. Ele faz o que faz porque ele estaria cumprindo com uma função natural do equilíbrio das coisas. A extinção de sua espécie o deixou verdadeiramente insano.
E isso tudo tem a ver com o destino. Thanos acredita no destino. Ele acredita, inclusive, que é um agente deste. "Não conseguiram fugir do próprio destino", ele diz em Ultimato.
Por isso, o último filme dos Vingadores é tão incrível. Os heróis são inicialmente derrotados por Thanos. Mas eles encontram uma saída, uma forma de desfazer a vilania cometida no filme anterior, assim indo contra o destino considerado sagrado por Thanos.
E qual é a resposta do antagonista? No fim do filme, após saber que mesmo depois de equilibrar o universo em escala cósmica sempre haveria aqueles incapazes de aceitar seu destino, ele decide fazer o que ser ser o certo: destruir o universo inteiro e criar um novo onde ele seria o deus supremo e todos seriam gratos por existirem. Um universo justo. Equilíbrio
Quando vemos as coisas desse ponto, Thanos se torna um antagonista com empatia. Ele faz as coisas mas ainda tem humanidade, ele ainda tem emoções como tristeza, dor e a capacidade de sentir dó e pena. Mas ele tem um forte complexo que faz ele enxergar a si mesmo não como um produto da natureza, mas como uma força da mesma, um ser de maldade, uma maldade necessária: um louco.
4 de agosto de 2019
O Comedor de Sonhos
Eu sou um comedor de sonhos. Não sou como vocês que enchem suas barrigas com carne e frutas e outros alimentos que julgam normais. Minha refeição é o que as suas mentes produzem durante o sono. Basta chegar perto de alguém dormindo e devorar suas ideias criadas pelo subconsciente. Para mim, os sonhos são como nuvens que se materializam sobre a cabeça de minhas presas.
Mas só me interessam os bons sonhos. Não devoro pesadelos. Têm gosto ruim! São como frutos podres, estragados. Sonhos são doces, derretem na boca, uma delícia. Os meus favoritos são aqueles que remetem à memórias de infância. Também gosto dos sensuais, embora alguns tenham um gosto um tanto que forte às vezes.
Mas até pouco tempo, nunca um sonho havia me tocado tanto quanto o de Ana, ou Aninha, como a chamam. É uma menina de seis anos, filha única, bom coração. Infelizmente ela vive em um ambiente caótico, com dois pais disfuncionais que vivem brigando. Os sonhos de crianças são sempre muito saborosos, mas o de Aninha são únicos. Céu azul, sol claro, sons e figuras agradáveis. Esses são os cenários de seus sonhos que mais parecem um paraíso que a pequena usa para fugir da família disfuncional em que vive.
Toda noite eu vou na casa dela. Subo no telhado e começo a devorar seus lindos sonhos coloridos que sobem atravessando o teto.
Mas às vezes me emociono ao ver tamanha inocência se materializando daquele jeito. Fico triste por um dia aquilo tudo ter que acabar, pois conforme as pessoas crescem, os sonhos vão ficando cada vez mais amargos e salgados ou mesmo sem gosto e os pesadelos vão ficando mais sombrios.
Fico triste, principalmente, ao saber que nunca viverei o mundo criado pela garotinha Aninha. Afinal, sou só um monstro feio que devora o subconsciente dos humanos. Essa é minha natureza da qual não posso escapar pois afinal não posso sonhar como Aninha.
Toda noite quando vou dormir sob uma ponte velha ou em um beco escuro eu fecho os olhos e tento fazer como Aninha: sonhar.
Mas só me interessam os bons sonhos. Não devoro pesadelos. Têm gosto ruim! São como frutos podres, estragados. Sonhos são doces, derretem na boca, uma delícia. Os meus favoritos são aqueles que remetem à memórias de infância. Também gosto dos sensuais, embora alguns tenham um gosto um tanto que forte às vezes.
Mas até pouco tempo, nunca um sonho havia me tocado tanto quanto o de Ana, ou Aninha, como a chamam. É uma menina de seis anos, filha única, bom coração. Infelizmente ela vive em um ambiente caótico, com dois pais disfuncionais que vivem brigando. Os sonhos de crianças são sempre muito saborosos, mas o de Aninha são únicos. Céu azul, sol claro, sons e figuras agradáveis. Esses são os cenários de seus sonhos que mais parecem um paraíso que a pequena usa para fugir da família disfuncional em que vive.
Toda noite eu vou na casa dela. Subo no telhado e começo a devorar seus lindos sonhos coloridos que sobem atravessando o teto.
Mas às vezes me emociono ao ver tamanha inocência se materializando daquele jeito. Fico triste por um dia aquilo tudo ter que acabar, pois conforme as pessoas crescem, os sonhos vão ficando cada vez mais amargos e salgados ou mesmo sem gosto e os pesadelos vão ficando mais sombrios.
Fico triste, principalmente, ao saber que nunca viverei o mundo criado pela garotinha Aninha. Afinal, sou só um monstro feio que devora o subconsciente dos humanos. Essa é minha natureza da qual não posso escapar pois afinal não posso sonhar como Aninha.
Toda noite quando vou dormir sob uma ponte velha ou em um beco escuro eu fecho os olhos e tento fazer como Aninha: sonhar.
O Caso dos Ovos Vermelhos
Essa é uma história muito estranha que aconteceu comigo anos atrás. Parece até coisa do maluco, mas que asseguro: é pura verdade. Basicamente, alguém achou que minha casa seria o ninho perfeito para um bando de monstros!
Nessa época eu morava só num apartamento na Zona Norte. Acordava bem cedo. Como estava passando por dificuldades, tinha que trabalhar hora extra e ainda me preocupar com a faculdade.
Foi num começo de manhã que eu "recebi" o meu primeiro ovo.
Abri a porta para sair e me deparei com o bichinho ali no canto, ao lado da porta, no chão, encostado na parede. Era como um ovo de galinha em formato e tamanho, mas tinha uma grande diferença: era completamente vermelho.
Peguei na mão, era áspero. Decidi guardar na gaveta da minha cômoda. "Vou abrir quando voltar", eu pensei.
Horas depois eu voltei para casa e me lembrei do ovinho na minha gaveta.
Prestes a quebrá-lo em meu punho, notei que ele se remexia! Parecia que já estava chocando.
Podia sentir o movimento na minha mão. Primeira rachadura, depois outra. Na terceira ele pulou de minha mão e caiu, revelando a criatura que estava crescendo sob a casca.
Era asquerosa, com certeza não era um pintinho ou mesmo uma ave exótica. Era como uma larva esguia, de cor branca, e que se remexia muito.
De repente, ela parou. E como se tivesse me percebido, começou a rastejar na minha direção. Fui rápido em esmagá-la com meu pé, espalhando uma gosma verde pelo chão do meu quarto, talvez fosse o sangue daquele ser.
Pensei que tinha acabado, mas era somente o começo da história.
Na manhã seguinte encontrei mais três daqueles ovos. Afinal, quem estava me enviando aqueles monstrinhos? Joguei todos no lixo. Mas alguém estava muito convencido que eu era um chocador.
Mais quatro no dia seguinte, dessa vez vinham com um bilhetinho que dizia:
Ignorei a nota escrita e mandei, novamente, os ovos para o lixo. Adivinhem o que aconteceu? Mais ovos no dia seguinte, dessa vez dez!
Decidi que aquelas pessoa não iria desistir, então guardei os ovos numa caixa debaixo da minha cama.
No dia seguinte, mais cinco ovos. Então, mais oito e mais quatro. Na última entrega eram sete. E então parou.
Eu pensei "ufa, acabou. Agora o que faço com esses ovos?"
Passaram-se alguns dias, eu estava voltando para casa e quando ia colocando a chave na fechadura ouvi uns barulhos estranhos vindo de dentro. Encostei o ouvido na porta e eram sons animalescos, como de monstros.
E então, algo bateu na porta. E continuou batendo. E os grunhidos aumentavam.
Havia uma caixinha no pé da parede que eu notei no momento. Eu abri e tinha um bilhete e dez mil reais. Estava escrito:
FIM
Nessa época eu morava só num apartamento na Zona Norte. Acordava bem cedo. Como estava passando por dificuldades, tinha que trabalhar hora extra e ainda me preocupar com a faculdade.
Foi num começo de manhã que eu "recebi" o meu primeiro ovo.
Abri a porta para sair e me deparei com o bichinho ali no canto, ao lado da porta, no chão, encostado na parede. Era como um ovo de galinha em formato e tamanho, mas tinha uma grande diferença: era completamente vermelho.
Peguei na mão, era áspero. Decidi guardar na gaveta da minha cômoda. "Vou abrir quando voltar", eu pensei.
Horas depois eu voltei para casa e me lembrei do ovinho na minha gaveta.
Prestes a quebrá-lo em meu punho, notei que ele se remexia! Parecia que já estava chocando.
Podia sentir o movimento na minha mão. Primeira rachadura, depois outra. Na terceira ele pulou de minha mão e caiu, revelando a criatura que estava crescendo sob a casca.
Era asquerosa, com certeza não era um pintinho ou mesmo uma ave exótica. Era como uma larva esguia, de cor branca, e que se remexia muito.
De repente, ela parou. E como se tivesse me percebido, começou a rastejar na minha direção. Fui rápido em esmagá-la com meu pé, espalhando uma gosma verde pelo chão do meu quarto, talvez fosse o sangue daquele ser.
Pensei que tinha acabado, mas era somente o começo da história.
Na manhã seguinte encontrei mais três daqueles ovos. Afinal, quem estava me enviando aqueles monstrinhos? Joguei todos no lixo. Mas alguém estava muito convencido que eu era um chocador.
Mais quatro no dia seguinte, dessa vez vinham com um bilhetinho que dizia:
Por favor, pare de quebrar os meus ovos. São os meus filhos. Cuide deles e deixe-os crescer. Quando eu voltar e estiverem adultos, você bem recompensado com muito dinheiro. Não se preocupe, são inofensivos.Perguntei para o síndico do prédio se ele havia visto algum movimento estranho na porta do meu apartamento e ele disse que não. Afinal, esse entregador misterioso era invisível?
Ignorei a nota escrita e mandei, novamente, os ovos para o lixo. Adivinhem o que aconteceu? Mais ovos no dia seguinte, dessa vez dez!
Decidi que aquelas pessoa não iria desistir, então guardei os ovos numa caixa debaixo da minha cama.
No dia seguinte, mais cinco ovos. Então, mais oito e mais quatro. Na última entrega eram sete. E então parou.
Eu pensei "ufa, acabou. Agora o que faço com esses ovos?"
Passaram-se alguns dias, eu estava voltando para casa e quando ia colocando a chave na fechadura ouvi uns barulhos estranhos vindo de dentro. Encostei o ouvido na porta e eram sons animalescos, como de monstros.
E então, algo bateu na porta. E continuou batendo. E os grunhidos aumentavam.
Havia uma caixinha no pé da parede que eu notei no momento. Eu abri e tinha um bilhete e dez mil reais. Estava escrito:
Obrigado por ser o hóspede de minhas crias. Elas adoraram sua casa.Eu me virei e sai dali, e nunca mais voltei.
FIM
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