18 de agosto de 2019

Vila da Cova Funda

Era um ônibus velho, de péssima aparência. Parecia que ia desmoronar a qualquer momento. Mesmo assim eu entrei sem medo. Eu estava bastante cansado e queria chegar o quanto antes em meu destino. Apertei as alças de minha mochila e entrei.

Estava lotado. Cidade grande, não importava o horário o coletivo estaria sempre cheio. Me sentei perto da janela, o banco ao meu lado se tornou o único desocupado do veículo.

Logo veio um senhor e se sentou ali. Tinha uns sessenta anos, moreno, usava chapéu. Parecia uma boa pessoa.

E então o ônibus avançou, chacoalhando pelas ruas da cidade. Passamos por um prédio velho e abandonado e cercado de mato.

- Eu já morei ali - disse o homem que havia se sentado ao meu lado. O dedo enrugado dele apontava para o edifício no horizonte. E então ele começou a preparar um cigarro.

- Não pode fumar aqui - eu avisei.

- Nesse ônibus eu posso - ele respondeu secamente com aquela voz de velho - Quando e era jovem morei ali onde passamos. Fui expulso porque não consegui mais pagar o aluguel. - Deu uma baforada.

- É uma pena. Já aconteceu muita coisa triste comigo também - eu disse.

- Acontece com todos. Aonde vai?

- Vila da Cova Funda.

- Também - continuou fumando.

A noite chagava. Passamos por um bairro de classe média. Casas com garagens, ruas bonitas. Apontei para um residência.

- Minha namorada mora ali - eu disse.

- Deixa eu adivinhar: você está se mudando para Cova Funda por causa dela?

- Sim - eu respondi surpreso - Como sabe?

- Todos nesse ônibus estão indo para aquele bairro, garoto. Sempre é por causa de algo dos passado que os fez mal. Está vendo meu cigarro? Por causa dele estou me mudando.

- Não vejo bagagem sua - eu disse apertando minha mochila.

- Não preciso.

Continuou fumando. Já era noite e estava ficando cada vez mais frio. O motorista começou a parar o ônibus e várias pessoas começaram a sair em diferentes pontos.

- Esse é um ótimo bairro - o velho disse - É um bom lugar para descansar.

- Foi o que eu ouvi. Por isso estou nessa viagem. Minha namorada fez algo horrível para mim... Eu não aguentei.

- No meu caso fui eu quem condenou a mim mesmo - ele deu uma profunda baforada.

O coletivo já estava se esvaziando. Então parou bruscamente em uma rua escura e isolada.

- Chegamos - o velho disse.

- Também vou descer aqui - acrescentei.

E descemos. A escuridão era enorme. O ônibus acelerou e nos deixou sozinhos. No começo sentimos muito medo, mas então surgiu uma luz. Pensamos que fosse um carro, mas começou a englobar o horizonte inteiro e se tornou um enorme astro.

Meu coração se encheu de alegria, o medo havia ido embora. Eu olhei para o meu lado e o velho estava sorrindo.

- Estou tão cansado.

E caminhamos em direção à luz.

FIM

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