Lima
havia acabado de chegar a Mata Quebrada, município pequeno nas
profundezas do país, e já havia percebido a natureza da cidade:
crimes e gente esquisita. Não é admirável que Lima tenha observado
tão cedo essas características pois ele trabalhava como policial. E
era muito bem visto pelo povo de Mata Quebrada.
-
Ele é um ótimo substituto do Freitas – diziam.
Freitas
era mais velho, prestes a se aposentar. Seu antigo parceiro de
"combate" (como ele chamava a carreira) foi um velho amigo,
Garcia, morto durante um tiroteio anos atrás contra a facção
comandada pelo Imperador (tipo ruim da região). Desde então,
Freitas ficou marcado pela perda e só passou a pensar em descanso
longe dessa profissão.
-
No litoral, bebendo água de coco debaixo de uma palmeira – dizia
ele.
Então,
todo mundo achou que Mata Quebrada havia encontrado o rumo certo com
Lima. Rapaz era corajoso, inteligente e leal à lei. Era também
carismático e sempre cumprimentava a vizinhança quando passava de
viatura. Porém, Lima nem sempre teve o sonho de ser policial.
-
Eu na verdade sempre quis viajar – ele disse uma vez para umas
pessoas – Mas nunca consegui dinheiro para isso. Queria ir pra
Argentina, não sei o motivo. Sempre achei um país bonito. Ou pelo
menos viajar pelas estradas do país com um cachorro no banco do
passageiro.
Mas
se conformou em ser policial.
E
foi se dando bem assim que chegou. Lima e Freitas viraram bons
companheiros com o passar dos anos. Juntos os dois prenderam muitos
criminosos (perseguição pelo mato foi o que não faltou) e beberam
muito juntos. Um dia, inclusive, Lima notou como a relação parecia
quase de pai para filho.
Um
dia durante um almoço, Freitas disse:
-
Estou pensando em me aposentar faz tempo.
-
Eu sei – Lima respondeu – Por que ainda não fez isso?
-
Sinto que ainda não cumpri minha missão. Queria sair com honra da
polícia.
-
Como assim?
Freitas
se aproximou do colega. Tirou um mapa velho e cheio de anotações do
bolso (na verdade era uma folha de caderno bem desgastada). Começou
a apontar para alguns pontos e riscos no antigo pedaço de papel.
-
Dizem que aqui se esconde um tesouro, Lima.
Lima
riu, quase engasgando com a comida.
-
Sério?
-
Sim – Freitas continuou, ignorando o sarro que o parceiro tirava
dele – Vamos lá pegar esse tesouro e tirar bom proveito dele.
-
Me explica direito essa história, Freitas. Que tesouro é esse?
Freitas falou sobre uma antiga história de um lugarejo que existia a
quilômetros de Mata Quebrada, um povoado perdido entre morros que
chamavam de Buraco do Capeta. Lá seria um covil de criminosos
repleto de tesouros, ou seja, tudo que havia sido roubado pelos
bandidos. Na verdade, nem era uma história, era fato, só que nenhum
policial havia sido durão suficiente para ir lá.
-
E você tem coragem? - perguntou Lima.
-
Isso seria morrer com honra! Estou velho, Lima, quero ir lá e matar
bandidos. Quem sabe podemos distribuir o dinheiro para o bom povo de
Mata Quebrada! Vem comigo? Não me importo de ir sozinho.
Lima
olhou para o chão um pouco e coçou a cabeça por uns segundos e
então concordou. O que lhe interessava não eram as balas que podia
levar mas o dinheiro.
Lá
se foram os dois policiais. Tomaram caminho em direção ao norte e
depois de mais de uma hora de viagem por entre os matos e por
estradas de terra estreiras eles passaram por vários morros altos.
Finalmente chegaram no Buraco do Capeta.
Era
cedo ainda e eles não planejavam ficar ali por muito tempo. Foram
armados com tudo e vestiam coletes.
Era
realmente um povoado, bem pequeno. Oito casas, uma delas abandonada.
Havia um silencio um tanto que sinistro no ar. O vento quente
soprava. Havia, no centro, uma igreja.
-
De acordo com o que eu ouvi, os tesouros ficam escondidos dentro da
igreja.
-
Espere, não podemos nos arriscar.
Para
a surpresa de Freitas, seu parceiro havia trazido uma bomba ativada
por controle remoto. Colocou ela no banco de passageiro da viatura.
-
Caso nós precisemos!
Lima
e Freitas foram espertos em verificar todo o Buraco do Capeta antes
de entrar na igreja. As casas estavam quase todas trancadas. Duas
delas estavam abertas e não tinha ninguém dentro. Os dois
policiais, claro, sempre com os revólveres em punho.
-
Parece que não tem ninguém aqui – disse Lima.
-
Então vamos tentar entrar na igreja – disse Freitas.
A
porta estava trancada, assim como as outras cinco casas na
vizinhança. Foi preciso improvisarem um ariete usando um tronco de
madeira que encontraram para adentrar na igreja.
Quando
finalmente conseguiram, se depararam com uma casa cheia de cofres e
maletas. Lima deixou o queixo cair e Freitas nem conseguia se
expressar.
Mas
os dois foram tolos demais. Um tiro. Bem na perna de Freitas. O velho
polical caiu sangrando e gritando de dor. Lima se virou em direção
a porta pronto para atirar, mas foi ele quem recebeu o tiro.
Felizmente foi em seu colete e ele deiou a arma cair por conta do
impacto, mas ficou ainda assim de pé, rangendo os dentes.
-
Larguem as armas! - gritava uma voz.
Os
dois saíram, Lima carregando o amigo. Eram vários homens armados com
rifles, pistolas e revólveres. Logo os dois policiais estavam
cercados.
-
Caíram na armadilha – a voz disse de novo. E se revelou como sendo
o Imperador. Freitas o reconheceu. Alto, magro e maligno. Ainda
tinha o mesmo sorriso de bandido que estampava em seu rosto anos
atrás quando matou Garcia.
-
Que bom te ver de novo, Freitas. Você tá muito velho! E esse seu
amigo deve ser Lima. Já ouvi falar. Dizem que são uma ótima dupla.
Agora, vão se preparando para morrer!
Porém,
no segundo que o Imperador terminou sua frase houve uma explosão.
Tinha vindo da viatura. Voaram partes para todo lado. Os bandidos que
estavam perto morreram na hora e o resto não teve tempo de reagir.
Todos olharam espantados para a nuvem de fogo e fumaça subindo. A
bomba que implantaram serviu para alguma coisa. Quando voltaram a
atenção para a dupla viram que Lima se fora. Só havia restado
Freitas.
-
Venham me pegar! - o velho policial gritava.
E
disparou contra os adversários.
Lima
estava longe dali. Corria feito um louco. O rapaz nunca ficou sabendo
quantos Freitas matou naquele dia, mas pôde ouvir muitos disparos
durante sua fuga pela mata. O velho aguentou muito tempo.
Felizmente,
Lima conseguiu perder os inimigos de vista. Por um momento pensou que
Freitas tinha matado todos. Mas essa ideia foi descartada quando teve
de se esconder atrás de umas árvores para não ser visto por um
carro que passava pela estrada. E continuou o resto do dia caminhando
para o sul.
Encontrou
uma casinha perdida no meio do mato. Por sorte tinha gente nela, uma
família de seis. Depois de se restaurar ele conseguiu carona até
Mata Quebrada onde pôde esfriar a cabeça.
Falou
para o delegado tudo. Um bom homem, delegado Valmir respeitou as
promessas da dupla e decidiu ir até Buraco do Capeta para recuperar
o dinheiro e o que sobrou de Freitas.
-
Ele queria se aposentar com honra – disse Lima – Espero que ele
tenha descansar agora.
Chegando
na cena do tiroteio, Lima ficou espantado com o número de mortos que
havia lá. Realmente, Freitas conseguiu segurar todos, mesmo com a
perna sangrando.
O
corpo dele foi encontrado dentro da igreja junto com o dinheiro. Lima
pegou uma quantia para si.
O
dia do velório de Freitas foi o mais triste da história de Mata
Quebrada. Muitos compareceram para si despedir, até mesmo a (única)
filha de Freitas que mal mantinha contato com o pai. O povo
cumprimentava Lima como o mais novo protetor da cidade. Mas o jovem
tinha outros planos em mente.
-
Acho que vou tirar umas férias – ele disse quando lhe perguntaram
o que ia fazer depois de tudo aquilo.
Tinha
uma maleta com trinta mil reais. Ficou pensando para onde poderia ir
com aquele dinheiro todo.
Um
dia, quando voltava para casa de pé, foi surpreendido por um
cãozinho de rua que veio cheirar seu pé. Lima o pegou nos braços e
o levou para casa, deu banho e comida. Depois de uns dias estava mais
farto e limpo.
-
Buenos Aires parece ótimo – ele disse um dia para o animal
enquanto dava comida para ele.
Na
manhã seguinte estava saindo da cidade, dirigindo um chevrolet
preto. O cachorro ao seu lado que ele apelidara de Freitas e um
óculos escuro no rosto enquanto assobiava melodias. Sua mão saia da
janela, curtindo o vento.
-
Buenos Aires é um nome bonito.