16 de setembro de 2019

O Pintor da Rua dos Galos

Hoje em dia a Rua dos Galos está quase abandonada. Apenas alguns moradores, os mais velhos, ainda moram na Rua dos Galos, eles e um comércio prestes a fechar. O calçamento todo esburacado e o lixo na rua dizem muito sobre o lugar. Mas quem passa pela Rua dos Galos sabe que um dia já foi bonita. Isso há muito tempo. Era bonita e calma. Mas então a cidade foi crescendo e as pessoas pararam de se preocupar com a cidade. Muitos se mudaram para o centro, abandonando bairros como o da Rua dos Galos.

Essa mudança ocorrou há muitos anos. É conhecida uma história desse tempo de transição que ficou no imaginário popular de tão sinistra e fantástica que é e que deixou, e ainda deixa, as pessoas da cidade toda aterrorizadas. É a história do Pintor de Belezas da Rua dos Galos, ou só mesmo Pintor. Costumavam chamar ele de psicopata, maníaco ou assassino em série, mas com o tempo ficou conhecido como Pintor. Acontece é que ele pintava coisas bonitas.

Já foi explicado que a Rua dos Galos costumava ser muito bonita. Os galos cantavam com vontade naquela rua (por isso o nome) e o sol brilhava forte num brilho bonito. As pessoas que lá moravam eram gentis. Mas com o tempo foi sendo abandonada. Dizem que foi aí que surgiu o Pintor. O que ele fazia era raptar pessoas, podiam ser homens adultos, moças, mulheres, crianças, idosos. Ele os raptava e os levava para sua casa, ou seu covil, ninguém sabia onde ficava. Lá as vítimas eram amarradas e dizem que ele, a partir das expressões (normalmente de terror) das pessoas ele conseguia pintar "belezas". Isso é, uma paisagem, uma cena bonita ou só mesmo uma aquarela de cores explosivas. Segundo os relatos ele vestia uma máscara de ferro que, somado ao ambiente escuro onde ele praticava sua arte, tornada a experiência cabulosa.

O relato que nos dá mais detalhes acerca do próprio Pintor é o de uma mulher chamada Débora. Na época ela tinha vinte e quatro anos. Na ocasião ela voltava para casa do trabalho no comecinho da noite, sozinha. Passava pela Rua dos Galos quando viu um carro preto vindo no sentido contrário. Foi diminuindo a velocidade. Débora já estava ficando assustada. E então a moça foi andando mais rápido, com medo. Olhou para trás e viu uma figura alta e mascarada saindo do carro. Foi correndo atrás dela. Débora tentou correr mas tropeçou em uma falha no calçamento e caiu. Se lembra da figura agarrá-la pelo braço e pôr um pano úmido no seu rosto. Débora não conseguiu lutar pois adormeceu rápido.

Quando acordou a coitada estava, para o seu desespero, amarrada em uma cadeira. A sala era escura e era tudo silencioso. Depois de um minuto viu uma porta se abrir atrás dela e uma luz encher o quarto. Ela não conseguia olhar para ver mas pôde ouvir os passos se aproximando. Ela tentou gritar mas percebeu que sua boca estava amordaçada. O terror só aumentava. De repente as luzes se acenderam. Débora conseguiu ver o quarto que era na verdade um estúdio. Haviam duas paredes enfeitadas com retratos. Todos eram cheios de cores e se não fosse pela situação teriam impressionado a moça.

Apareceu então um homem, o mesmo que havia raptado Débora. Sua mascara parecia ser feita de ferro. Tinha dois buracos que permitiam ao homem enxergar e um terceiro na região da boca. Ainda tinham duas pequenas cavidades que funcionavam como narinas. Era totalmente careca e vestia um macacão preto e usava luvas. Sentou-se na frente de Débora em um tamborete e pôs as mãos nos joelhos. A encarou nos olhos.

- Se me permite, quero fazer um retrato de sua alma.

Aquela frase apenas aterrorizou mais a pobre coitada. Débora se contorcia em uma tentativa fútil de se libertar. O sinistro mascarado levantou-se e trouxe um quadro branco, um pincel e uma paleta. Daí começou uma sessão de mais de duas horas. O maníaco encarava Débora por alguns segundos e então dava leves pinceladas no quadro, assim repetidamente. De vez em quando dava uma olhada mais de perto, às vezes até se levantada da cadeira e se aproximava. Ficou por muito tempo assim. Débora foi se cansando daquilo, mas ainda assim estava assustada. Só imaginava o que podia vir depois. Talvez fosse matá-la. De vez em quando tentava se libertar sem sucesso.

Passaram-se duas horas até o homem soltar um assobio como que tivesse terminado seu trabalho. Virou o quadro para que Débora pudesse ver. Era como uma floresta de árvores altas e um céu alaranjado. E então ele disse:

- Está acabado. Seus olhos me ajudaram a pintar este quadro. É belíssimo. Vai para a minha coleção. Só assim consigo recuperar a sensação que eu tinha de viver nesta rua.

Mais uma vez a colocou para dormir. Quando Débora acordou estava no meio da Rua dos Galos em plena madrugada. Achou que tivesse sido um pesadelo, mas então viu as marcas de amarras nos pulsos. Contou tudo para a família e para a polícia. Até hoje, porém, ninguém nunca ficou sabendo quem era o Pintor da Rua dos Galos.

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