Essa mudança ocorrou há
muitos anos. É conhecida uma história desse tempo de transição
que ficou no imaginário popular de tão sinistra e fantástica que é
e que deixou, e ainda deixa, as pessoas da cidade toda aterrorizadas.
É a história do Pintor de Belezas da Rua dos Galos, ou só mesmo
Pintor. Costumavam chamar ele de psicopata, maníaco ou assassino em
série, mas com o tempo ficou conhecido como Pintor. Acontece é que
ele pintava coisas bonitas.
Já foi explicado que a Rua
dos Galos costumava ser muito bonita. Os galos cantavam com vontade
naquela rua (por isso o nome) e o sol brilhava forte num brilho
bonito. As pessoas que lá moravam eram gentis. Mas com o tempo foi
sendo abandonada. Dizem que foi aí que surgiu o Pintor. O que ele
fazia era raptar pessoas, podiam ser homens adultos, moças,
mulheres, crianças, idosos. Ele os raptava e os levava para sua
casa, ou seu covil, ninguém sabia onde ficava. Lá as vítimas eram
amarradas e dizem que ele, a partir das expressões (normalmente de
terror) das pessoas ele conseguia pintar "belezas". Isso é,
uma paisagem, uma cena bonita ou só mesmo uma aquarela de cores
explosivas. Segundo os relatos ele vestia uma máscara de ferro que,
somado ao ambiente escuro onde ele praticava sua arte, tornada a
experiência cabulosa.
O relato que nos dá mais
detalhes acerca do próprio Pintor é o de uma mulher chamada Débora.
Na época ela tinha vinte e quatro anos. Na ocasião ela voltava para
casa do trabalho no comecinho da noite, sozinha. Passava pela Rua dos
Galos quando viu um carro preto vindo no sentido contrário. Foi
diminuindo a velocidade. Débora já estava ficando assustada. E
então a moça foi andando mais rápido, com medo. Olhou para trás e
viu uma figura alta e mascarada saindo do carro. Foi correndo atrás
dela. Débora tentou correr mas tropeçou em uma falha no calçamento
e caiu. Se lembra da figura agarrá-la pelo braço e pôr um pano
úmido no seu rosto. Débora não conseguiu lutar pois adormeceu
rápido.
Quando acordou a coitada
estava, para o seu desespero, amarrada em uma cadeira. A sala era
escura e era tudo silencioso. Depois de um minuto viu uma porta se
abrir atrás dela e uma luz encher o quarto. Ela não conseguia olhar
para ver mas pôde ouvir os passos se aproximando. Ela tentou gritar
mas percebeu que sua boca estava amordaçada. O terror só aumentava.
De repente as luzes se acenderam. Débora conseguiu ver o quarto que
era na verdade um estúdio. Haviam duas paredes enfeitadas com
retratos. Todos eram cheios de cores e se não fosse pela situação
teriam impressionado a moça.
Apareceu então um homem, o
mesmo que havia raptado Débora. Sua mascara parecia ser feita de
ferro. Tinha dois buracos que permitiam ao homem enxergar e um
terceiro na região da boca. Ainda tinham duas pequenas cavidades que
funcionavam como narinas. Era totalmente careca e vestia um macacão
preto e usava luvas. Sentou-se na frente de Débora em um tamborete e
pôs as mãos nos joelhos. A encarou nos olhos.
- Se me permite, quero fazer
um retrato de sua alma.
Aquela frase apenas
aterrorizou mais a pobre coitada. Débora se contorcia em uma
tentativa fútil de se libertar. O sinistro mascarado levantou-se e
trouxe um quadro branco, um pincel e uma paleta. Daí começou uma
sessão de mais de duas horas. O maníaco encarava Débora por alguns
segundos e então dava leves pinceladas no quadro, assim
repetidamente. De vez em quando dava uma olhada mais de perto, às
vezes até se levantada da cadeira e se aproximava. Ficou por muito
tempo assim. Débora foi se cansando daquilo, mas ainda assim estava
assustada. Só imaginava o que podia vir depois. Talvez fosse
matá-la. De vez em quando tentava se libertar sem sucesso.
Passaram-se duas horas até
o homem soltar um assobio como que tivesse terminado seu trabalho.
Virou o quadro para que Débora pudesse ver. Era como uma floresta de
árvores altas e um céu alaranjado. E então ele disse:
- Está acabado. Seus olhos
me ajudaram a pintar este quadro. É belíssimo. Vai para a minha
coleção. Só assim consigo recuperar a sensação que eu tinha de
viver nesta rua.
Mais uma vez a colocou para
dormir. Quando Débora acordou estava no meio da Rua dos Galos em
plena madrugada. Achou que tivesse sido um pesadelo, mas então viu
as marcas de amarras nos pulsos. Contou tudo para a família e para a
polícia. Até hoje, porém, ninguém nunca ficou sabendo quem era o
Pintor da Rua dos Galos.
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