14 de setembro de 2019

História de Policial


Lima havia acabado de chegar a Mata Quebrada, município pequeno nas profundezas do país, e já havia percebido a natureza da cidade: crimes e gente esquisita. Não é admirável que Lima tenha observado tão cedo essas características pois ele trabalhava como policial. E era muito bem visto pelo povo de Mata Quebrada.

- Ele é um ótimo substituto do Freitas – diziam.

Freitas era mais velho, prestes a se aposentar. Seu antigo parceiro de "combate" (como ele chamava a carreira) foi um velho amigo, Garcia, morto durante um tiroteio anos atrás contra a facção comandada pelo Imperador (tipo ruim da região). Desde então, Freitas ficou marcado pela perda e só passou a pensar em descanso longe dessa profissão.

- No litoral, bebendo água de coco debaixo de uma palmeira – dizia ele.

Então, todo mundo achou que Mata Quebrada havia encontrado o rumo certo com Lima. Rapaz era corajoso, inteligente e leal à lei. Era também carismático e sempre cumprimentava a vizinhança quando passava de viatura. Porém, Lima nem sempre teve o sonho de ser policial.

- Eu na verdade sempre quis viajar – ele disse uma vez para umas pessoas – Mas nunca consegui dinheiro para isso. Queria ir pra Argentina, não sei o motivo. Sempre achei um país bonito. Ou pelo menos viajar pelas estradas do país com um cachorro no banco do passageiro.

Mas se conformou em ser policial.

E foi se dando bem assim que chegou. Lima e Freitas viraram bons companheiros com o passar dos anos. Juntos os dois prenderam muitos criminosos (perseguição pelo mato foi o que não faltou) e beberam muito juntos. Um dia, inclusive, Lima notou como a relação parecia quase de pai para filho.

Um dia durante um almoço, Freitas disse:

- Estou pensando em me aposentar faz tempo.

- Eu sei – Lima respondeu – Por que ainda não fez isso?

- Sinto que ainda não cumpri minha missão. Queria sair com honra da polícia.

- Como assim?

Freitas se aproximou do colega. Tirou um mapa velho e cheio de anotações do bolso (na verdade era uma folha de caderno bem desgastada). Começou a apontar para alguns pontos e riscos no antigo pedaço de papel.

- Dizem que aqui se esconde um tesouro, Lima.

Lima riu, quase engasgando com a comida.

- Sério?

- Sim – Freitas continuou, ignorando o sarro que o parceiro tirava dele – Vamos lá pegar esse tesouro e tirar bom proveito dele.

- Me explica direito essa história, Freitas. Que tesouro é esse?

Freitas falou sobre uma antiga história de um lugarejo que existia a quilômetros de Mata Quebrada, um povoado perdido entre morros que chamavam de Buraco do Capeta. Lá seria um covil de criminosos repleto de tesouros, ou seja, tudo que havia sido roubado pelos bandidos. Na verdade, nem era uma história, era fato, só que nenhum policial havia sido durão suficiente para ir lá.

- E você tem coragem? - perguntou Lima.

- Isso seria morrer com honra! Estou velho, Lima, quero ir lá e matar bandidos. Quem sabe podemos distribuir o dinheiro para o bom povo de Mata Quebrada! Vem comigo? Não me importo de ir sozinho.

Lima olhou para o chão um pouco e coçou a cabeça por uns segundos e então concordou. O que lhe interessava não eram as balas que podia levar mas o dinheiro.

Lá se foram os dois policiais. Tomaram caminho em direção ao norte e depois de mais de uma hora de viagem por entre os matos e por estradas de terra estreiras eles passaram por vários morros altos. Finalmente chegaram no Buraco do Capeta.

Era cedo ainda e eles não planejavam ficar ali por muito tempo. Foram armados com tudo e vestiam coletes.

Era realmente um povoado, bem pequeno. Oito casas, uma delas abandonada. Havia um silencio um tanto que sinistro no ar. O vento quente soprava. Havia, no centro, uma igreja.

- De acordo com o que eu ouvi, os tesouros ficam escondidos dentro da igreja.

- Espere, não podemos nos arriscar.

Para a surpresa de Freitas, seu parceiro havia trazido uma bomba ativada por controle remoto. Colocou ela no banco de passageiro da viatura.

- Caso nós precisemos!

Lima e Freitas foram espertos em verificar todo o Buraco do Capeta antes de entrar na igreja. As casas estavam quase todas trancadas. Duas delas estavam abertas e não tinha ninguém dentro. Os dois policiais, claro, sempre com os revólveres em punho.

- Parece que não tem ninguém aqui – disse Lima.

- Então vamos tentar entrar na igreja – disse Freitas.

A porta estava trancada, assim como as outras cinco casas na vizinhança. Foi preciso improvisarem um ariete usando um tronco de madeira que encontraram para adentrar na igreja.

Quando finalmente conseguiram, se depararam com uma casa cheia de cofres e maletas. Lima deixou o queixo cair e Freitas nem conseguia se expressar.

Mas os dois foram tolos demais. Um tiro. Bem na perna de Freitas. O velho polical caiu sangrando e gritando de dor. Lima se virou em direção a porta pronto para atirar, mas foi ele quem recebeu o tiro. Felizmente foi em seu colete e ele deiou a arma cair por conta do impacto, mas ficou ainda assim de pé, rangendo os dentes.

- Larguem as armas! - gritava uma voz.

Os dois saíram, Lima carregando o amigo. Eram vários homens armados com rifles, pistolas e revólveres. Logo os dois policiais estavam cercados.

- Caíram na armadilha – a voz disse de novo. E se revelou como sendo o Imperador. Freitas o reconheceu. Alto, magro e maligno. Ainda tinha o mesmo sorriso de bandido que estampava em seu rosto anos atrás quando matou Garcia.

- Que bom te ver de novo, Freitas. Você tá muito velho! E esse seu amigo deve ser Lima. Já ouvi falar. Dizem que são uma ótima dupla. Agora, vão se preparando para morrer!

Porém, no segundo que o Imperador terminou sua frase houve uma explosão. Tinha vindo da viatura. Voaram partes para todo lado. Os bandidos que estavam perto morreram na hora e o resto não teve tempo de reagir. Todos olharam espantados para a nuvem de fogo e fumaça subindo. A bomba que implantaram serviu para alguma coisa. Quando voltaram a atenção para a dupla viram que Lima se fora. Só havia restado Freitas.

- Venham me pegar! - o velho policial gritava.

E disparou contra os adversários.

Lima estava longe dali. Corria feito um louco. O rapaz nunca ficou sabendo quantos Freitas matou naquele dia, mas pôde ouvir muitos disparos durante sua fuga pela mata. O velho aguentou muito tempo.

Felizmente, Lima conseguiu perder os inimigos de vista. Por um momento pensou que Freitas tinha matado todos. Mas essa ideia foi descartada quando teve de se esconder atrás de umas árvores para não ser visto por um carro que passava pela estrada. E continuou o resto do dia caminhando para o sul.

Encontrou uma casinha perdida no meio do mato. Por sorte tinha gente nela, uma família de seis. Depois de se restaurar ele conseguiu carona até Mata Quebrada onde pôde esfriar a cabeça.

Falou para o delegado tudo. Um bom homem, delegado Valmir respeitou as promessas da dupla e decidiu ir até Buraco do Capeta para recuperar o dinheiro e o que sobrou de Freitas.

- Ele queria se aposentar com honra – disse Lima – Espero que ele tenha descansar agora.

Chegando na cena do tiroteio, Lima ficou espantado com o número de mortos que havia lá. Realmente, Freitas conseguiu segurar todos, mesmo com a perna sangrando.

O corpo dele foi encontrado dentro da igreja junto com o dinheiro. Lima pegou uma quantia para si.

O dia do velório de Freitas foi o mais triste da história de Mata Quebrada. Muitos compareceram para si despedir, até mesmo a (única) filha de Freitas que mal mantinha contato com o pai. O povo cumprimentava Lima como o mais novo protetor da cidade. Mas o jovem tinha outros planos em mente.

- Acho que vou tirar umas férias – ele disse quando lhe perguntaram o que ia fazer depois de tudo aquilo.

Tinha uma maleta com trinta mil reais. Ficou pensando para onde poderia ir com aquele dinheiro todo.

Um dia, quando voltava para casa de pé, foi surpreendido por um cãozinho de rua que veio cheirar seu pé. Lima o pegou nos braços e o levou para casa, deu banho e comida. Depois de uns dias estava mais farto e limpo.

- Buenos Aires parece ótimo – ele disse um dia para o animal enquanto dava comida para ele.

Na manhã seguinte estava saindo da cidade, dirigindo um chevrolet preto. O cachorro ao seu lado que ele apelidara de Freitas e um óculos escuro no rosto enquanto assobiava melodias. Sua mão saia da janela, curtindo o vento.

- Buenos Aires é um nome bonito.

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