19 de dezembro de 2017

The Legend of Zelda: Majora's Mask - Um Grande Jogo


Esse é um post importante porque eu quero falar aqui de um jogo de video game que considero um dos melhores que já joguei. Nada da nova geração, tampouco algo do arcade dos anos 80. Este jogo tem 17 anos e foi lançado pela Nintendo para o Nintendo 64. Estou falando de The Legend of Zelda: Majora's Mask.

Não tenho idade pra ter visto este jogo nas prateleiras em 2000, mas tive (e tenho) o prazer de jogá-lo em um emulador. Uma opinião impopular, que muitos vão discordar, é de que acho este jogo melhor que seu antecessor Ocarina of Time (que eu aindo acho um jogo bom). Se nunca jogou nenhum dos dois, deveria, pois talvez sejam os dois melhores games do Nintendo 64.

Praticamente tudo em Majora's Mask é perfeito. A jogabilidade não só continua o legado de Ocarina of Time como o expande com a inclusão das máscaras de transformação, permitindo que exploremos áreas exclusivas apenas para certas formas.

O enredo talvez seja o que mais me fascina. Em Ocarina of Time nós temos uma história mais clichê e infantil, que eu pessoalmente não acho tão profunda. Em Majora's Mask, a trama é sombria e apocalíptica, e um tanto triste e melancólica em algumas partes. A Lua está literalmente caindo e vai destruir a Terra, e o único que pode salvar o mundo é Link (você), invocando os quatro gigantes para segurar o astro e deter Skull Kid, vilão possuído pela Máscara de Majora.

Os gráficos são um dos melhores do console, rico em cores e texturas. Tanto que o jogo PRECISA do Expansion Pak para funcionar. Outra característica interessante e a falta de cenários renderizados, comuns em Ocarina of Time. Algumas áreas em Majora's Mask são enormes!


Eu recentemente zerei o jogo, peguei todas as máscaras e quase todos os itens necessários. Foi uma grande experiência que claro seria mil vezes melhor jogando no consola mas ainda assim sempre vale a pena.

Então, com isso chegamos a conclusão de que gráficos, jogabilidade e a atmosfera criada pelo enredo são essenciais para a construção de um bom jogo e que isso constitui a base da arte dos video games que vem sido desenvolvida há décadas. Majora's Mask, em minha opinião, é um exemplo de como não só um jogo é bem construído, mas também como um jogo pode evoluir de seu antecessor no mesmo sistema.

15 de dezembro de 2017

Dunkirk Não é um Filme Impressionante

Eu assisti Dunkirk porque achei que Nolan me impressionaria mais uma vez com sua genealidade, assim como ele fez em A Origem e O Cavaleiro das Trevas. Mas Dunkirk não me surpreendeu.

  

Eu vou resumir o filme pra vocês: tem meia dúzia de soldados esfarrapados em uma praia tentando escapar do nazistas, nenhum deles têm nome. O nosso "protagonista" entra em um barco, o barco afunda, ele entra em outro barco, esse outra barco também afunda até ele entrar num terceiro barco e ir embora. Enquanto isso, um velho e dois moleques saem valejando pra resgatar alguns soldados, um dos rapazes cai um degraus e bate a cabeça. Eles encontram um fuzileiro no mar e pronto. Ah, e tem um piloto derrubando uns aviões também.

O filme não tem trama. Não tem enredo. São duas horas de uma falsa tensão, personagens sem nome que não nos importamos e uma trilha sonora repetitiva e irritante.

Depois de uma pesquisa, descobri que o que Nolan quis fazer em Dunkirk foi uma retratar não os personagens, mas a experiência em si. Basicamente, ele queria nos transportar pra Segunda Guerra e nos fazer sentir lá. É uma ideia legal, mas eu acho que não ficou tão impactante quanto deveria. Se eu não conheço ninguém ali, como devo me importar com o que acontece?

O filme é de ingleses para ingleses. Quase um documentário. Se não fosse Nolan na direção teria sido muito criticado. Li na internet que muito falantes de inglês dos EUA não conseguiram entender uma palavra do que os atores falavam. Eu mesmo só segui a história por causa das legendas.

Mas temos que admirar o trabalho de fotografia. O filme é visualmente lindo, um retrato apocalíptico da guerra.

Mas poderia ser melhor. Nolan é um grande diretor, talvez se ele fizer algo como Interstelar de novo, ele consiga agradar a todos.

29 de outubro de 2017

Paciência e Humildade

As duas maiores virtudes que um homem pode ter são paciência e humildade.

Sendo paciente, uma pessoa não toma decisões desesperadas, ela deixa de valorizar tanto o material pois sabe que as coisas incorpóreas valem muito mais a pena. Alguém paciente é muito mais forte, pois sabe que em alguns momentos ela não pode fazer nada contra a dor.

Os humildes aceitam seus defeitos e suas fraquezas, são altruístas e não agem de forma arrogante. Através da humildade, essas pessoas podem evitar problemas ao se impor sobre os outros. Em muitas religiões é importante ser humilde e submisso a vontade divina.

22 de outubro de 2017

As Guianas e o Suriname Deveriam Ser Anexadas ao Brasil

Escrito em 01/03/2017.

Acho que isso seria de muito benefício para ambos os lados.
As Guianas (também me refiro ao Suriname) são países muito abandonados. Só tiveram independência dos governos europeus na década de 1960. Além disso, elas são culturalmente distante do resto da América do Sul. Mais parecem um país caribenho.

Deveríamos "comprar" a Guiana Francesa da França. Mesmo se não tivéssemos o dinheiro, poderíamos iniciar um levante de independência no país. Depois disso, então, poderia ser anexada ao Brasil.

Os três países seriam parte da região norte ou então de uma região inteiramente nova, o extremo norte. Mudaríamos o nome da Guiana para Guiana Ocidental e a Guiana Francesa seria a Guiana Oriental.

Uma grande campanha de "brazileiração" teria início. Milhares se mudariam para as cidades dos novos estados. O português passaria a ser ensinado desde cedo nas escolas. Políticos dos estados seriam eleitos. Seria um grande movimento.

6 de outubro de 2017

Dissabor

O sangue fervendo.
Olhos vermelhos.
Ódio inflamado.
Coração duro e pesado.

O que antes era uma amizade e um amor,
agora arruinado.
O sangue espalhado pelo chão,
o martelo a mão,
estava tudo acabado.

Só agora, na amargura e esquecimento,
o passado vem atormentá-lo.

Redenção

Por tudo de ruim que ele fizera até então;
todo o sofrimento, a dor, a desgraça;
tudo havia sido esquecido.
Alegrou-se, pois recebeu seu perdão.

Onde estão nossos amigos, e nossos irmãos
quando em necessidade?
Não tema.
Olhe para cima, aí está vossa redenção.

14 de setembro de 2017

Ana

A pequena Ana mantinha seus olhos regalados em direção do seu guarda-roupa. A porta quase aberta lhe dava uma visão obscura do interior do móvel. Era uma menininha assutada em um mundo escuro.

Eram onze horas da noite quando Ana deu três batidas na porta do quarto dos pais. Ela chorava, segurando sua boneca, enquanto olhava para trás.

Era sempre assim, toda as noites já fazia uma semana. Ana dormia entre os pais, em segurança, longe das trevas de seu quarto. Uma menininha perdida em um pesadelo quase real. 

***
 
Pedro se deliciava em risadas enquanto sua irmã agarrava com força a boneca. Eram risadas sádicas de um péssimo irmão.

- Você já viu o monstro? - ela perguntou.

- Claro, e ele adora comer crianças como você. - ele respondeu.

Histórias assim mantinham Ana atenta quanto ao guarda-roupa de seu quarto. Ela entrava no móvel, vasculha, bagunçava, explorava, mas não havia monstro e nenhuma criatura assustadora. Mesmo assim ainda era uma criança de grande imaginação e não deixava de se assustar com essas histórias.

- Essa fase vai passar. - o pai dizia.

Aquela noite chuvoso de sábado seria como qualquer outra. Ana dormiria no quarto de seus pais. Mas a garota, esperta, foi mais cedo para o quarto deles sabendo que os dois haviam saído pra uma festa. Algo relacionado com o trabalho do pai.

Era como um animalzinho escondido debaixo das cobertas, sem mexer um músculo. Mas de ouvidos bem abertos.

Foi uma boa noite para Ana.

Até que eles chegaram. Ana se recordou que o pai e a mãe estavam um pouco diferentes, com algo engraçado na fala, como se estivessem com sono mas ainda pulando de alegria.

- Vamos ver como estão as criança. - disse a mãe.

- Não, deixa pra lá, vamos pro quarto logo… - o seu marido respondeu.

Ana, sem poder ver nada, tinha apenas a audição para capturar o que seus pais estavam fazendo. Mas ela não entendeu nada que ouvia, pois eles só riam e gemiam de uma forma “esquisita”.

Ela tentou não se mover, mas sua mãe acabou percebendo aquele volume debaixo do edredom. Levantou o pano para revelar um Aninha encolhida e assustada, agarrando sua boneca. Seus pais tão constrangidos nem sabiam o que falar.

Apenas uma menina com medo de monstros.

***
 
Numa manhã cheia de sol Ana não foi à escola pois estava doente. Era um resfriado muito forte que a obrigou a ficar em casa. Depois de voltar do médico, sua mãe disse pra não sair do seu quarto, descansar e tomar os remédios receitado pelo Dr. Rogério.

Ana não gostava de ficar em casa. Escola era uma diversão e lá fora havia um mundo todo pra brincar. Mas ele tinha que ficar no quarto junto com o… guarda-roupa.

Seu irmão mais velho, Pedro, estava na escola e seu pai no trabalho. Só sobrara sua mãe em casa e, como Ana era curiosa, se atreveu a sair do quarto e espiar ela.

Ana abriu a porta só um pouquinho, mas o som da casa todo ela pôde ouvir. Sua mãe estava na sala, falando no telefone bem baixinho.

- Eu sei, amiga, mas ele é um pai ausente… - disse a mãe.

Ana ouvia tudo.

- Não sei se o amo como antes… muita coisa mudou…

Ana não podia acreditar.

- Eu tenho pena dos nossos filhos… se nos separássemos, o que aconteceria?

Ana, tapando as orelhas, correu pro seu quarto e fechou a porta. Ela ouviu mais do que devia. Sua mãe escondia algo de seu pai… uma verdade muito dura.

Ela olhou pro seu guarda-roupa pela primeira vez com admiração. Não era tão assustador como antes. Tinha algo bonito nele. Ela entrou no guarda-roupa e fechou a porta. Era quentinho lá dentro.

***
 
Guarda-roupas não eram tão ruins quanto Ana achava, e ela ficou muito maravilhada com isso! O seu era quentinho de entrar, e o silêncio e escuridão do interior até que eram confortantes. O do irmão era bem mais frio, mas ainda assim fofinho.

O dos pais era o melhor de se explorar, porque era bem grande! Tantas portas, gavetas, tinha até um espelho.

Mas é claro que ela só mexia no guarda-roupa dos pais quando ninguém via. E aquele era o dia perfeito. Seu irmão tinha saído pro jogo, seu pai estava dormindo no sofá e sua mãe viajou pra casa da tia.

Ana estava particularmente interessada nas meias do pai. Isso até ela ouvir uns barulhos vindos da sala. Seu pai havia acordado, aparentemente.

Fechando a gaveta, ela se trancou no lugar mais seguro do quarto: o guarda-roupa. Esperando não ser encontrada, ali ela ficou.

Então a porta abriu e lá estava seu pai. Ana via tudo por uma brecha da junto do guarda-roupa. Seu pai estava, de novo, engraçado, só que estava muito estranho também.

Um tempo depois entrou uma mulher que não era a mamãe. Era mais alta e mais elegante, Ana percebeu. Era loira e tinha olhos verdes.

E eles se beijaram ali. Ana fechou os olhos e não deu um pio. Todas essas coisas estranhas acontecendo com os pais dele era demais para a pequena. Ela, ainda assim, se sentiu muito segura dentro do guarda-roupa.

Apesar dos olhos fechados, ela ainda ouvia tudo. E os dois, seu pai e a mulher, começaram aqueles fazer sons esquisitos e a falar coisas que Ana não entendia, palavras em um tom pesado, quase raivoso.

Foi que Ana se atreveu a olhar e ela viu os dois sobre a cama. Seu pai estava nu e a mulher também. Mas Ana reparou algo de estranho nela, algo muito curioso. A mulher era, em um certo aspecto, muito parecido com o pai de Ana.

Chocada, a pequena agarrou um vestido longo que estava jogado ali dentro e usou pra tapar os ouvidos.

Ela agora estava em total silêncio, envolvida na escuridão. Ana se sentiu segura.

Uma menininha perdida em um sonho sombrio.

FIM

30 de agosto de 2017

Como Ficar Sabendo Quem Vai Vencer o Oscar Antes de Todo Mundo

Depois de muito estudo, eu cheguei a conclusão que é bem fácil saber quem irá vencer o prêmio do Oscar (ou Academy Award). Neste post eu vou basicamente explicar como identificar vários padrões visíveis em todas as edições do Oscar e poder ficar sabendo qual filme será o vencedor da noite.

Os elementos necessários para que um filme indicado ao Oscar possa vencer:

- Número de nomeações gerais
- Nomeações entre os Big 6
- Vitórias antes da abertura do envelope
- Vitórias entre os Big 6 antes da abertura do envelope
- Fator extra

Vamos nos aprofundar em cada um dos itens. Para isso, vamos usar a edição 2017 do Oscar como exemplo.

Os filmes que concorreram ao Oscar em 2017 foram:

Moonlight (venceu)
Nom. 8 (5 dos Big 6)
Vit. 2 (2 dos Big 6)

La La Land 
Nom. 14 (5 dos Big 6)
Vit. 6 (2 dos Big 6)

Manchester by the Sea
Nom. 6 (6 dos Big 6)
Vit. 2 (2 dos Big 6)

Arrival 
Nom. 8 (3 dos Big 6)
Vit. 1 (0 dos Big 6) 

Hacksaw Ridge
Nom. 6 (3 dos Big 6)
Vit. 2 (0 dos Big 6) 

Fences
Nom. 4 (4 dos Big 6)
Vit. 1 (1 dos Big 6)

Hidden Figures
Nom. 3 (3 dos Big 6)
Vit. 0

Hell or High Water
Nom. 4 (3 dos Big 6)
Vit. 0

Lion
Nom. 6 (4 dos Big 6)
Vit. 0 (0 dos Big 6)

Fonte:
89th Academy Award

Nomeações gerais

Na edição de 2017 do Oscar, La La Land teve quatorze nomeações, empatando com Titanic e Ben-Hur. O filme também foi o que mais ganhou estatuetas, levando seis. Porém, ele não foi o vencedor da noite. Moonlight, com seis nomeações a menos, foi escolhido pela academia.

A edição de 2017 foi uma exceção em que o mais nomeado não é o vencedor. É comum encontrar essas "bandeiras falsas", esses são filmes de larga escala nomeados em mais de dez categorias mas que acabam não levando o prêmio. Exemplos: The Revenant, Avatar, Life of Pi.

Fique atento aos filmes que receberem mais de oito nomeações, eles são grandes candidatos. Porém, nem sempre os mais nomeados são os que levam o Oscar de Melhor Filme. Alguns podem ser nomeados mais de dez vezes e não levar nenhum prêmio!

Nomeações entre os Big 6

Os Big 6 são as nomeações mais importantes do Oscar. São elas Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator/Atriz, Melhor Ator coadjuvante, Melhor Atriz coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado/Original.

Filmes com nomeações APENAS nestas categorias, como Annie Hall e Brooklyn, são muito bem vistos pela Academia e costumam se dar bem. Mas são os intermediários entre os épicos de larga escala já mencionados e estes filmes "menores" que se saem melhor.

Vitórias antes da abertura do envelope

Um segundo antes do anunciante abrir o envelope contendo o nome do filme vencedor, devemos dar uma olhada quais filmes venceram mais prêmios durante a noite. Em 1998, com Titanic não foi um problema. Porém, nem sempre os que mais venceram levam o Oscar de Melhor Filme [La La Land, The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, Mad Max: Fury Road].

Vitórias entre os Big 6 antes da abertura do envelope

Esse é importante. Filmes que vencem muitos prêmios entre os Big 6 são grandes candidatos a levar o Oscar de Melhor Filme. A vitória de Moonlight foi polêmica justamente por La La Land ter sido o vencedor de mais Big 6 naquela noite.

Fator extra

Muitas vezes a Academia é influenciada por interesses políticos. Isso foi o que levou Moonlight a ganhar a noite, pois era um filme sobre homossexuais negros estrelando um muçulmano. Claro que a intenção deles era irritar Donald Trump.

Outro fator extra são antigos gostos compartilhados pelos membros da Academia. Por exemplo, filmes sobre cinema ou teatro costumam ganhar o Oscar de Melhor Filme ou pelo menos ser aclamado [Birdman, O Artista, Argo, La La Land, A Invenção de Hugo Cabret].

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Na próxima edição, fique atento aos sinais que aparecerem, como o número de nomeações de cada filme e as vitórias na noite do Oscar. É sempre legal vencer as apostas!



22 de agosto de 2017

Entrecho: Fera

Jonas não era só um excelente soldado, mas um grande amigo também.

Eu me culpava pela morte de Jonas. Minha falta de atitude, talvez minha inexperiência, talvez minha covardia. Eu não o salvei a tempo. Dois disparos. Os criminosos foram pegos dois dias depois, mas eu não quis vingança. Isso não traria Jonas de volta e nem me faria mais feliz.

A família dele chorou muito. Esposa e um garoto de só seis anos de idade. Eu ainda os vejo de vez em quando, é triste ver que o filho vai crescer sem o pai.

Três anos se passaram e estou de volta as ruas como PM. As noites da capital são frias e perigosas, mas somos ensinados a não ter medo. Pelo menos não medo do natural.

Essa é história de uma coisa que aconteceu a mim e meu parceiro e que não pode ser explicada. Talvez um sinal de outro mundo, não sei.

Era quinta-feira, 4 de novembro de 2015. William e eu já estávamos patrulhando havia alguns dias, já nos conhecíamos bem. Um rapaz inteligente, dez anos mais jovem do que eu.

Uma ocorrência nos apareceu. Uma mulher havia sido atacada, perto do cemitério na Rua das Flores. Tentativa de estupro? Foi o que pensamos.

Um alvoroço no meio da rua. Assim que chegamos recebemos mil explicações. As pessoas estavam dizendo que um "bicho" havia saído do cemitério para atacar a pobre mulher voltando pra casa. Muitos acharam ela louca, como nós mesmos.

Tinha alguém se escondendo naquele lugar. Claro, vendo como é um cemitério escuro e quase abandonado. Acho que nem tinha coveiro, pelo menos não naquela noite.

Todos logo se trancaram em casa, com medo de qualquer coisa. Armas e lanternas em mão, partimos para verificar o local. Era uma atmosfera estranha lá dentro, quase que como eu já conhecesse o lugar. Em alguns pontos do cemitério você sentia um frio na barriga, um vento no pescoço.

Nada. Mas William achou que deveríamos procurar melhor, afinal o cemitério era enorme. Ele foi pra viatura para chamar reforços e eu me encontrei sozinho naquele breu.

Não demorou para me sentir solitário... demais. Parecia que eu estava em outro lugar, ainda mais escuro e vazio. Eu senti uma presença... morte. Ou talvez vida, mas uma vida corrompida e arruinada.

Eu corri na direção do portão, mas não consegui alcançar nada. Não haviam mais luzes, nada. Era perdição.

E eu ouvi a criatura.

Como o rosnar de um cão, só que mais brutal. Parecia estar em todos os lados ao meu redor, me circulando. Eu já estava branco neste momento. Isso não era natural.

Movimento. Um vulto. Era um enorme cão negro que se sustentava em duas pernas. Olhos azuis, enormes e brilhantes. A boca engoliria minha cabeça facilmente, e poderia arrancá-la com uma patada.

Eu tentei correr, mas ela sempre me alcançava, mas nunca atacava.

Então eu atirei. Mas errei. Atirei e errei. Tentei correr, estava cansado mas corri. Não alcancei a saída.

Estava claro que eu morreria ali. Ou talvez ficasse preso. O monstro não me atacava.

Eu me ajoelhei, me entregando ao animal. Mas a fera se aproximou, me estudante com seus olhos gigantes.

- O que temes? - ela perguntou.

Uma voz serene. Familiar. Amigável, até sábia.

- De tudo. De morrer. De me perder. De falhar - eu respondi, cabeça baixa.

- Tu nunca falhaste. Tu nunca perdeste. Ao aceitar teu destino, tu demonstras coragem, pois eu estava preste a devorar-te.

Eu olhei para ela.

- Mas meu amigo morreu e eu não o salvei... - eu disse.

- Tu não és capaz de salvar a todos sempre - ela respondeu - Aprenda teu lugar, tua força, e saberá viver sem temer a nada. O lamento não ajuda.

- O que é você? - eu perguntei.

 A criatura se afastou, adentrando na escuridão e saindo da luz de minha lanterna. Seu sorriso canino se transformou na feição mais linda do mundo.

- Eu o fogo que arde no coração dos homens.

E foi embora.

Eu me levantei, quase desabando. Pude ouvir William me chamando por trás. Eu corri em direção a sua voz.

Mais dois policiais haviam chegada, eles continuarão as buscas naquela noite. Eu pedi para o capitão via rádio para voltar pra casa, não estava me sentindo bem.

Eu ouvi dizer no outro dia que não encontraram ninguém no cemitério. Eu acredito que havia mais lá do que se pode imaginar. Aquela foi a noite mais estranha de minha vida e eu nunca contei isso a ninguém.


11 de agosto de 2017

Tem Alguém na Minha Cozinha

Ouço um barulho vindo da minha cozinha. O pior de tudo é que eu moro sozinho. Eu sabia que esse bairro era perigoso. Levanto-me e pego meu porrete, sempre guardado debaixo de minha cama. Olho para o relógio, são quatro horas da madrugada. Que ladrão esperto, escolhendo a melhor hora para entrar nas casas.

Avanço pelo corredor erguendo minha arma. Passos leves. Ainda consigo ouvir barulhos vindos da cozinha. Posso ouvir minha geladeira abrindo, alguém tinha gostado do seu conteúdo.

Chegando na cozinha vejo que as luzes estão apagada. Na verdade, pouco vejo. Apenas ouço uma espécie de rosnar. A única fraca luz vem da geladeira e posso ver a silhueta de alguém ou de algo.

Jesus. Não parece com uma pessoa. É uma criatura baixa, magra e estranha em todos os outros sentidos. Está comendo a macarronada que eu guardei do jantar. Esse desgraçado, seja humano ou não, tinha ido longe demais longe de mais.

Ligo a luz e posso ver a criatura melhor. Credo! Parece um monstro vindo de alguma filme de terror. Sua pele é meio que cinzenta, seus olhos são grandes e penetrantes. Não tem pelos e seus dentes são como presas.

Ela dá um grito alto que acho que chegou a acordar meu vizinho. Avanço com meu porrete, mas ele joga a bacia cheia de macarrão em mim antes que eu possa avançar..

- Maldito! Vem cá!

Ele acha que pode fugir de mim! Dou três batidas na cabeça dele. Sorte do desgraçado que eu não sou muito forte, se não teria esmagado seus miolos ou seja lá o que ele tenha na cabeça.

- Pu favô... para... dói...

Eu estou ficando louco ou antes de eu conseguir dar uma quarta porrada aquele bicho falou? Agora ele conseguia dialogar. Estava todo coitadinho. Quase senti pena.

- Você fala? - eu pergunto.

- Sim, mim fala. Num mata mim. Mim cum fomi.

- Que diabos é você?

Levanto meu bastão, pronto para desferir um ultimo golpe, rápido e fatal. Mas a criatura aparentemente gostava de sua vida, o que me surpreendeu.

- Pu favô, sinhô. Mata num. Mim fazê coisa pu sinhô. Mim trabaia pu sinhô.

Aquela ideia me pegou. Eu posso fazer algo com aquele bicho. Sei lá, como estudá-lo, talvez mostrá-lo para alguém. Não se vê um monstrinho daqueles todos os dias revirando sua geladeira!

- Sério? O que você sabe fazer?

- Mim sabi limpá casa. Mim usa a lingua pá limpá sujeira. Mim comi sujeira. Mim sabi cuzinhá e arrumá coisa. Num mata mim, pu favô. Disculpa, sinhô.

- Isso é interessante...

Afinal, olhando bem, essa coisa não parece tão má assim. Só está com fome. Ele deve ter vindo da mata, como um animal selvagem que sentiu-se atraído por minha casa. 

Não sei se seria certo matá-lo. Talvez não fosse muito ético da minha parte, talvez ele tivesse uma alma?

- Você está realmente com fome? Aqui, tome essas duas maçãs - eu entrego as frutas à criatura.

- Ó! Obrigadu, sinhô!

- Agora saia daqui!

Ainda tem tempo de devorar as duas frutas, deixando o suco cair no chão. Vejo ele sair correndo pelos fundos, ainda com a maçã na boca.

Poderia ser pior, poderia ter tentado me matar. Só estava com fome. Espero que nunca mais volte, ou talvez eu não tenha mais tanta piedade.

***

Nada melhor do que acordar numa bela manhã de sábado como essa. Já que eu não vou trabalhar, fico em casa assistindo filmes na minha poltrona, acessando a internet e lendo livros interessantes.

Dou uma passada no mercado para comprar meu almoço, encontro alguns amigos, sinto o doce cheiro dos produtos.  Até conheço uma nova caixa que o mercado contratou. O nome dela é Denize, deve ser alguns anos mais nova do que eu. Mas é uma garota adorável. Até me deu o seu número de telefone. Adoro dias de sábado.

Só pelas quatro da tarde eu saio para dar uma volta de bicicleta. Durante minha, encontra senhora, Dona Cruz, uma vizinha minha, que me dá notícias alarmantes.

- Seu moço! - ela me chama - Tu soube da ultima?

- O que?

- Tão dizendo que tem um bicho, um monstro, entrando na casa do povo. Tu ouviu falar?

A criatura de ontem! Meu coração gelou. Caramba, esperava que aquilo tivesse sido um sonho. Agora é mesmo um ladrãozinho infernal invadindo a casa das pessoas.

- C-como? - gaguejo - Que tipo de bicho?

- Ah, tão dizendo que ele é baixo, escuro e anda quase nu.

- Quem viu ele?

- Ele entrou na casa da irmã da Lídia ontem a noite. E de madrugada o Seu Jacques quase deu um tiro nele. O bicho anda procurando comida. Não sei o que é, mas se eu ver ele eu mato com minha vassoura, ah, sim.

- Na verdade, Dona Cruz, eu também vi ele ontem.

- Verdade?

- Sim, eram quatro horas da madrugada. Eu quase matei ele com meu porrete, mas meio que fiquei com pena e dei duas maçãs. Ele parecia estar com fome, não achei que fosse um monstro

- Meu filho! Tu devia ter arrancado as tripas do maldito! Não dê comida para ele que ele vai se viciar.

- Eu entendo, Dona Cruz. Próxima vez eu vou ver se pego ele.

Me despeço e saiu pedalando. Chego em uma trecho cercado de mato e fico com medo de algo pular em cima de mim. Será que existem mais daqueles bichos? Talvez sejam uma nova espécie, ou sei lá. Talvez seja uma experiência de laboratório que o governo anda realizando em segredo e que deu errado! Se for isso, sabe-se lá o que mais pode existir por aí e o que esses cientistas podem criar. Ou talvez seja um alienígena? Talvez tenha se perdido no nosso planeta ou tenha sido abandonado aqui. Ele me parece bastante estúpido, então pode ser uma criança da espécie deles. De qualquer forma, é assustador pensar nisso.

Chego em casa e não demoro a me jogar na cama. Mas antes de conseguir fechar os olhos, alguém liga para mim. É a Denize, a caixa do mercado.

Temos uma boa conversa, ela pergunta se poderíamos nos encontrar. Eu falo que sim e poderia na minha casa, amanhã de noite. Desligo, durmo e tenho bons sonhos. Nada melhor que um encontro numa noite de domingo.

Mas meus sonhos são interrompidos por barulhos na minha maldita cozinha. Como na noite passada. Jesus, eram duas horas da madrugada. Será que é aquele insetinho Com certeza, e meu porrete de madeira iria revolver as coisas.

Os barulhos cessam. Quando chego na cozinha, me deparo com o mesmo bicho, agora deitado na minha mesa, como se fosse uma cama!

- O que está fazendo aqui? Disse para ir embora! - eu grito ameaçando o animal com minha arma.

A criatura se assustada e cai da mesa, se debatendo no chão, chorando e implorando.

- Pu favô, sinhô. Num mata mim. Mim cum sono, mim cum frio. Lá fora faz friu. Aqui é quenti.

- Ontem à noite eu mandei você ir embora. Você é um ladrão! Não vou te tolerar. Você tem andado roubando casas de outras pessoas no bairro, eu sei disso.

- Mim num tem casa. Mim anda fazendu coisa ruim puquê mim num tem ondi morá, nem ondi cumê. Se sinhô deixá mim ficá aqui, mim num faz coisa ruim nunca mais.

Seus olhos tão grandes, quase pulando pra fora da cabeça. Novamente, eu sinto pena do ser animalesco. Mas como não. Ele é selvagem, mas me lembra uma criança, ingênua.

- Você não tem mesmo para onde ir? - eu pergunto.

- Num tenho, sinhô.

- Gostaria mesmo de ficar aqui? Qual é o seu nome? Vou te chamar de Mim. É assim que você vive se chamando. Pode ficar aqui, Mim, por esta noite. Amanhã vou ver o que faço contigo.

- Obrigadu, sinhô.

- Mas você vai dormir na minha despensa.

- D-dispensa? - diz a criatura gaguejando.

- É, é uma sala bem escura e apertada onde eu guardo lixo.

Arrasto Mim pelo chão como se fosse um saco cheio de estrume. O Mim parece não resistir, mas também não está feliz. A minha escura e suja despensa, bem apropriada para ele, é sua ultima parada. Amanhã ele não terá vez.

***

Mim parece se manter bem calmo na sua cela, provavelmente dormindo. Ótimo, agora posso acabar com ele durante seu sono. Durante o dia, tomei finalmente uma decisão final, a de eliminá-lo, apesar de toda empatia que eu sentia por ele. Foi bom conhecê-lo, mas agora é hora. Uma ligação, porém, me para bem no momento que vou abrir a porta com meu porrete levantado.

É Denize.

- Oi?

- Oi, Denize. Tudo bem?

- Tudo, Ricardo. Você sabe que o nosso encontro é hoje, né? - ela pergunta.

- Sim, claro!

- Espero que você tenha preparado algo bom pra mim.

- Como assim? - eu dou uma risada, desconcertado.

- Uma surpresa, sei lá. Primeiro encontro é assim.

Ela sorri e depois desligamos. Estou em apuros. O que faço agora? Ela parece ser bem exigente. Esse tipo de mulher me assusta. Acho que vou me dar mal, já que não tenho nenhum qualidade. Quer dizer, eu tenho casa própria, mas não dirijo, nunca terminei a faculdade e ainda sou feio como o Mim.

O que uma garota legal como aquela iria querer com um cara como eu? Eu precisava impressioná-la.

Espera um pouco...

Abro a porta com um empurrão. Mim está no chão, deitado em posição fetal.

Dou um chute nele, um pontapé.

- Ah, sinhô! Mias costa, sinhô!

- Acorda, Mim. Preciso de você.

Aquela noite de domingo seria a mais estranha da minha vida.

-  O que o s-sinhô qué qui mim faça?

- Olha, Mim, isso parece um tanto estranho, mas hoje à noite eu vou receber uma garota aqui em casa e eu quero te usar para impressionar ela, sabe?

- Mim qué ir embora, mim com medo!

Me levanto e abro a geladeira em um empurrão. Mostra um pedação de carne para a criatura, que arregala os olhos como se fosse o precioso dele.

- Isso vai ser seu se você me ajudar.

***

Faz tempo que não me olho no espelho. Essa camiseta minha, esse penteado maneiro (nem passei gel) e esses sapatos até que me deixaram legal. Passo um litro de perfume em mim, abro um buraco na camada de ozônio com o spray. Mas o que não se faz num encontro?

A porta abre e lá está ele: Mim, vestido para a ocasião.

É bizarro, mas eu consegui deixá-lo elegante, ou pelo menos algo perto disso. Só precisei pedir emprestado as roupas do meu sobrinho Lucas. Mas ficou bom.

São 19:48, o que quer dizer que Denize está chegando. A mesa está pronta, eu estou pronto, o Mim está pronto. Até meu PC está pronto: apaguei todo o conteúdo "inapropriado" dele, caso Denize queira dar uma olhada.

Mim está no meu quarto devorando um pedaço grande queijo que estava na geladeira fazia um mês. Faltam cinco minutos para 20:00, mas já ouço o carro parando lá fora. A maçaneta se mexe, a porta abre. Minhas pernas estão congeladas.

- Senhor, aqui está sua pizza.

Alerta falso. Pelo menos agora tenho algo para comer e acalmar o estômago e a cabeça.

O entregador vai embora. Minutos se passam. Já são 20:03 e nada. A Denize teria se atrasado? Sabia que eu deveria ter ido para a casa dela. Mulheres nunca veem até nós, somos nós que devemos ir até elas.

Sinto meus olhos mais pesados conforme o tempo passa. Já são 20:10 e nada. Já são 20:12 e o Mim continua comendo meu queijo. Já são 20:15 e eu estou dormindo, estirando no sofá como um trapo sujo.

Aproveito para ter sonhos. Dessa vez eu estou numa praça de noite. Denize está na minha frente, com aquela carinha de anjo dela. Estamos quase nos beijando quando sinto uma facada nas minhas costas, literalmente um facada. Me viro e lá está o desgraçado, mas não posso acreditar. É Mim, sorrindo.

Aí eu acordo.

Posso ouvir um carro estacionando lá fora. Me levanto em um salto. Olho no relógio e são 20:26. Dou uma arrumada nas minhas vestimentas, meu cabelo.

Vou correndo até o meu quarto ver qual é a do Mim e o encontro dormindo como um panda em cima da minha cama. Aquele queijo estava bem duro, até para os dentes dele. Para não ter nenhuma confusão, tranco a porta.

Dane-se Mim, ela está chegando!

A porta se abre e lá está, minha deusa. Está vestida num lindo vestido preto. Ela poderia ter escolhido algo melhor, como amarelo ou vermelho, ficaria um contraste melhor com a pele dela... ah, dane-se.

- Você está ótima!

- Sério? - ela diz sorrindo, graciosamente.

- É... mas eu falo da sua aparência. Quer dizer, eu não conheço da sua saúde. - eu digo, sempre agindo como um retardado.

Ela ri e eu convido ela para se sentar. Até agora está tudo indo muito bem! Conversamos sobre tudo. Ela está estudando psicologia, e eu estou estudando ela.

Até agora, nada de Mim.

***

Mim acorda. Mim confusu. Ó, é! Sinhô Ricardo queria mia ajuda. Mim tem que vê namorada de Ricardo. Pedaçu de queiju muito bom, mas muito duru!

Tento abrí a porta, mas tá fechada! Quem fechô? Será que foi o Ricardo? Por que ele faria issu?

Olho ao redô do quartu e veju uma janela aberta. Aberta! Possu escapá e mi encontrá com Ricardo e namurada!

Mas janela muito alta! Mim usá cadeira para subí e pulá. Caiu em cima de lama. Quintal da casa de Ricardo é muito suju! Saiu correndu pela noiti escura, sorti que ninguém mi vê.

***

- Quando eu era pequena eu gostava de fingir que era homem. - diz Denize.

- O que? Que merda é essa?

- É. Eu gostava de esconder meu cabelo e vestir as roupas do meu irmão. Aí eu andava pelas ruas batendo nos outros meninos.

Enquanto meu queixo se quebra ouvindo aquilo, ouço batidas na porta. Batidas pesadas. Tenho que pedir licença, mas ainda saio ganhando por não ter mais que ouvir aquela história.

Abro a porta e lá está meu amiguinho Mim! Cheio de lama e lodo, parece meu tio Jaílson. Ele escapou! Eu deixei a janela aberta. Nossa, eu não sabia que meu quintal era tão sujo.

- O que está fazendo aqui? Você está horrível! - sussurro.

- Mim preso em quarto, mas Mim escapar!

- Sim, mas agora é tarde.

Saio para fora e fecho a porta, na esperança que Denize não perceba a conversa.

- Faz o seguinte: no quintal tem uma torneira que eu uso para aguar as plantas. Tire suas roupas e se molhe lá. Depois entre de volta no meu quarto pela janela e pego outras roupas. Mas pegue roupas bonitas, nada exagerado! Tenha bom gosto. Agora vá!

O pequeno Mim desaparece na escuridão, rumando o meu quintal. A vida dele deve ser horrível. Entre de volta em casa e lá está meu anjo sorrindo, um tanto que desconcertada. Parece até assustada. Mas quem deveria estar assustado sou eu, ora, depois de ouvir as "brincadeiras" de infância dela.

- Com quem você estava falando? - ela pergunta.

- Com o entregador de pizza. Ele veio pegar o troco.

- Mas eu não vi nenhuma moto lá fora...

- Ele anda de pé por aí entregando pizza. A pizzaria é aqui perto.

Sento-me, ainda com uma dor de cabeça. A menina olha para mim, não sei pensando o que. Mas eu estava preocupado com o e.t. no meu quarto.

Peço licença de novo e vou até meu quarto. Abro a porta e vejo Mim dentro de um vestido. Pelo menos ele está limpinho!

- Eu encontrei rôpa boa pa mim. - ele diz.

- Mim, essas são roupas da minha irmã. Ele tá de férias e deixou elas aqui.

- Mim gostar da cor, mim gostar de rosa! Mim pronto. Mim quer aquele pedaço de carne! Ricardo prometeu!

- Tá bom, tá bom. Que merda. Vamos lá. Mas não faça vergonha!

São 20:50. Tem um bicho no meu quarto vestido de mulher e uma linda garota me esperando na mesa. Eu vou mostrar esse bicho branco para essa linda garota para ver a reação dela. Eu sou louco.

- Você parece muito ocupado, Ricardo. - Denize diz assim que eu apareço.

- Olha, Denize, eu tenho que te apresentar um amigo.

- Amigo?

- É. Eu sei que esse é nosso encontro, mas é um amigo muito legal. Você precisa ver.

- Tudo bem. - ela ri.

- Mim, pode vir!

Lá vinha o Mim. Naquele vestido rosa ridículo, como um travesti de outro planeta. Aquela cara selvagem e perdida dele, até cômica. Seu caminhar era atrapalhado. Até eu ria.

- Esse é Mim. - eu digo.

- Oi. Mim gostar de queijo. - diz Mim.

- Ual, esse é o seu amigo?

- É sim, é um pouco esquisito. Na verdade eu nem sei o que ele é. Encontrei o Mim roubando minha geladeira no meu da madrugada dois dias atrás. Eu na verdade vou matar ele mais tarde. Mas podem brincar agora.

Mim se senta na mesa, subindo na cadeira para ficar na nossa altura. Parece uma criança. Talvez seja.

Mas uma coisa estranha eu raparei: o jeito que Denize olha para Mim. Ela está mais fascinada com a criatura do que comigo! Não posso acreditar.

- Então, Denize, você já viajou para o exterior alguma vez? - eu tento começar. - Eu fui para Paris faz quatro anos. A comida de lá é horrível, não acredite no que dizem. Franceses são uns nojentos.

Mim devora as frutas deixadas em cima da mesa como se fosse sua ultima refeição. Mas espera, é sua ultima refeição!

- Eu gostei do seu vestido, Mim. - diz Denize, me ignorando, para a minha surpresa.

- Brigadu. - ele responde.

- E você já foi à algum jogo da copa de 2014? Eu vi o 7x1 com o meu pai. Ele ficou chorando por uma semana. - eu tento mudar de assunto.

Denize continua fixando os olhos em Mim, como se ele fosse seu namorado. O encontro agora parece ter seguido outro rumo.

- Ei, eu ainda estou aqui. Denize, esse é nosso encontro.

- Do que você está falando, Ricardo?

- Não me ignore! - eu grito, raivado.

- Não fale assim comigo! Mim consegue ser mais adorável do que você, mesmo falando pouco! - ela se levanta.

- Você ficou doida? - eu me levanto também. Mim parece um retardado olhando para os lados.

- Vamos, Mim, vamos embora. Esse idiota só vai te causar desgraça! - diz Denize.

- Não, Mim, fique comigo! Eu vou te dar o mais suculento pedaço de carne que existe. Tony Ramos vai ficar com inveja!

Mim, indeciso, olha de lá para cá com aquele olhar de cachorro abandonado. Ele enfim se levanta e parece decidido entre uma garota cuidadosa e uma maluco que vai matá-lo em alguns horas.

- Prefiru ficá com mulhé que não tranca nois nu quartu.

- Seu desgraçado! Traidor! Depois de tudo que passamos é isso que você faz? E o pedaço de friboi que eu vou te dar?

- Num queru. Mim gostá de Denize. Pareci tê gosto bom.

- Viu? Adeus, Ricardo.

Meu coração se parte vendo aquela cena. Meu futura namorada ficando com meu "melhor amigo" de outro mundo. É daqueles momentos que bate uma tristeza em você. É quando você repensa as coisas e vê que o que tu fez foi errado, tudo errado. As coisas teriam sido melhor sem Mim, com certeza.

Vou para o meu quarto me deitar, esfriar a cabeça. Nem tiro as roupas. Mas antes de me jogar na cama eu vejo um bilhete lá. Está escrito numa caligrafia horrível, mas consigo entender algumas coisas.

Foi escrito por Mim, aparentemente.

"Mim qué grandi pedaçu de carni. Mim cum fomi. Ricardu é fio da mãe. Mim não gosta dele. E pedaçu de queiju nem ser tão bom. "

Sério eu não deveria ter me levantado naquela madrugada.

FIM.

9 de agosto de 2017

Entrecho: O Outro Lado

Esta história curta é baseada em um conto que eu achei em um fórum anônimo americano. Eu traduzi todo o texto e, infelizmente, não posso dar créditos ao autor. Mesmo assim deixarei esta mensagem aqui para que todos saibam que eu não sou o que realmente escreveu o conto.

Você estava voltando para casa quando morreu.

Um acidente de carro. Fatal. Uma viúva e três filhos choraram mais alto em seu funeral. Mas a sua morte foi indolor. Os médicos fizeram o possível, mas você não aguentou.

E foi assim que você me encontrou.

"O que... o que houve?!, você perguntou, "onde eu estou?"

"Você está morto", eu disse de forma fria e direta. Sem enrolações.

"Era um... tinha um caminhão..."

"Sim", eu disse.

"Eu morri?", você me perguntou.

"Não fique triste ou abalado", eu dei um leve sorriso e um tapa em suas costas, "todo mundo morre um dia".

Você olhou para os lados, perdido. Um lugar vazio, vácuo. Só eu e você. "Que lugar é esse?", me perguntou, "aqui é o Céu?"

"Mais ou menos"

"Você é... Deus?", você me perguntou.

"Sim", respondi, "sou Deus".

"Minha família....", você disse.

"O que tem eles?"

"Eles vão ficar bem?"

"Isso é o que gosto de ver", eu disse, "você acaba de morrer e sua primeira preocupação é a família. Isso é um bom sinal!"

Você me olhou de cima a baixo com fascínio. Para você eu não era nenhum Deus. Minha aparência era de um homem comum, não muito diferente de um carteiro ou professor.

"Não se preocupe", eu disse, "eles vão ficar bem. Seus filhos vão se lembrar de você um dia. Sua esposa vai chorar por fora, mas ela vai estar secretamente aliviada. Seu casamento não estava indo muito bem mesmo. Mas é bom que saiba que ela um dia vai se sentir mal por ter ficado aliviada pela sua morte."

"E agora?", você disse, "o que acontece agora? O que acontece comigo?"

"Nenhum dos dois. Você será reencarnado", eu disse.

"Reencarnação?", você se admirou, "então os hindu estavam certos?"

"Todas as religiões estão corretas de uma certa maneira", eu disse, "venha, me siga".

Continuamos andando enquanto penetrávamos no vácuo. "Aonda vamos?", você perguntou ainda confuso.

"Lugar nenhum", eu disse, "só acho bom conversar enquanto caminhamos".

"Então", você começou, "como funciona?" Quando eu nascer de novo minha memória vai ser apagada, não é? Todas as minhas experiências passadas não vão ter nenhuma importância."

"Não", eu disse, "você tem todo o conhecimento de suas encarnações passadas dentro de você, mas você simplesmente não se lembra delas."

Eu parei de caminhar e pus minha mão em seu ombro. "Sua alma é muito mais linda, magnífica e incrível do que você pode imaginar. Uma mente humana só consegue conter uma pequena fração de sua capacidade."

Você olhou para baixo, um olhar maravilhado e depois me encarou.

"Você tem sido um humano pelos últimos 48 anos, uma vida limitada. Pouco demais para aprender tanto sobre sua imensidão espiritual."

"Quantas vezes eu já reencarnei?", você perguntou.

"Muitas vezes, muitas vezes", eu respondi, "dessa vez você será um mercador árabe no século VI."

"O que?!", você disse surpreso, "você vai me mandar de volta no tempo?!"

"O tempo como você conhece apenas existe em seu universo. As coisas são diferentes de onde eu vim."

"De onde você veio?", você perguntou.

"Eu vim de um lugar muito distante", eu respondi, "e existem muitos outros como eu. Eu sei que você quer saber mais, mas acho que você não entenderia se eu explicasse".

Você ficou quieto por um momento, se sentindo tão pequeno.

"Se... se eu reencarno no passado, então eu posso ter interagido com outra versão minha"

"Isso acontece o tempo todo", eu respondi, "e as duas vidas nunca estão cientes que encontram a si mesmas."

"E qual é o sentido por trás disso tudo?", você perguntou.

"Sério?! Você quer saber o sentido da vida? Essa é uma pergunta ousada."

"Acho que é importante que eu saiba antes de ir embora", você disse.

Eu te olhei nos olhos. "O motivo de eu ter criado o universo, de ter criado você é para que você pudesse amadurecer".

"Você está falando da humanidade? Você quer nos ver amadurecidos?", você perguntou.

"Não, só você. Eu fiz todo o universo só para você. A cada encarnação você cresceria e ganharia mais conhecimento."

"Só eu?", você perguntou, "e o resto das pessoas?"

"Não existem outros", respondi, "só existe eu e você"

Você paralisou. "Mas... e as pessoas na Terra?"

"São você. Diferentes encarnações suas."

"Eu... sou todo mundo?", você me perguntou.

Eu te dei um tapa nas costas e um sorriso. "Isso mesmo."

"Eu sou todo o humano que já viveu?"

"E todo humano que viverá"

"Eu sou o Napoleão Bonaparte?"

"E Dom João VI, sim, você é"

"Eu sou Hitler?", você perguntou, pálido.

"E é todos os milhões mortos por ele", eu completei.

"Sou Jesus Cristo?"

"E todos que o seguiram"

Você caiu, silencioso, de joelhos, mão a cabeça.

"Cada vez que você escravizava uma pessoa, estava escravizando a si mesmo. Cada momento de felicidade e tristeza que você já compartilhou com outro estava compartilhando com si mesmo", eu disse.

"Por que?", você perguntou, "por que fazer isso?"

"Por que um dia você vai se tornar como eu. Este é você. Meu filho."

"Eu sou um Deus", você disse.

"Não, ainda não. Você ainda está crescendo. Uma vez que tenha vivido na pele de todos os humanos que já existiram, você terá crescido o bastante para nascer de verdade"

"Então o universo inteiro é um...."

"Um ovo", eu respondi, "agora é hora de se partir para a sua nova vida."

E com um estalar de dedos eu te mandei para seu novo desafio, seu novo pequeno mundo.

FIM





31 de julho de 2017

Entrecho: Bazabú

O espaço é frio. É solitário. É escuro.

A tripulação da Enterprise XII sentiu isso na pele e na alma. Em seu segundo ano de viagem até Plutão eles se depararam com aquilo que nenhum humano na Terra pensou que poderia ser real.

Era um diabo do espaço.

Sua pele vermelha e elástica. Não tinha rosto, nem ao menos tinha uma forma. Era como uma larva sem proporções, que se contorcia freneticamente em uma dança macabra. Sua imagem inspirava medo.

Mas a tripulação da  Enterprise XII não chegou em Plutão e nem voltou para contar. Eles já estavam mortos antes de chegarem a Urano.

A gigante figura assustadora e bizarra agarrou a Enterprise em pleno voo e a quebrou em dois como se fosse um graveto. Os homens foram atirados para fora pelo impacto.

O capitão Henry Nunes ainda teve tempo de perguntar enquanto havia oxigênio em seus pulmões:

"O que és tu?"

E a criatura respondeu:

"O Filho do Medo, Senhor das Trevas, Aquele que Tira a Vida, o Terror do Universo, o Demônio Cósmico, o Diabo das Estrelas, eu sou o Devorador de Mundos, meu nome é Bazuzú!"

***

A Terra tremeu naquele instante. O impacto de mil bombas atômicas explodindo no vácuo foi poderoso demais.

A figura monstruosa se aproximando da Terra foi rapidamente percebida pelos astrônomos e o governo da Terra teve tempo de agir.

Mesmo assim foi tarde demais. A Lua se fora.

Tentado acabado de devorar o satélite natural, as explosões nucleares fragmentaram o corpo de Bazuzú em um milhão de frações, com a Lua dentro de si.

Atirado ao espaço, o Devorador de Mundos estava morto, agora só a imagem de um terror passado que um dia já atormentara toda a galáxia.

Mas este não era o fim. Havia outros, outras criaturas como Bazuzú pelo universo.

***

Era um dia chuvoso na cidade. Um mês havia se passado desde a morte de Bazuzú e a destruição da Lua. Mesmo assim ninguém saia de suas casas. O mundo estava assustado com o que poderia ainda haver no resto do universo.

Gaspar, correndo pela rua com um jornal velho sobre a cabeça, reconheceu para onde deveria ir: a casa mais humilde possível.

Quase um barraco. E era habitada por um velho homem muito estranho. Gaspar pode sentir a atmosfera estranha dentro da casa. Era escura, fria, solitária...

Em um quarto estava ele, Estelar. Aparentava cem anos, barba branca e longa. Se sentava no chão, comendo uma comida pobre em seu prato de alumínio. Gaspar o surpreendeu.

"Tenho procurado por você, velho Estelar", disse Gaspar.

"O que te traz aqui?", perguntou Estelar.

"Você sabe o que. Você é um dos únicos Escolhidos que sobraram. Eu quero saber o que vai acontecer agora que o monstro foi morto. Quero me preparar."

Estelar deitou seu humilde prato de comida no chão.

"Seu desespero o traz aqui. Não sairá com nada de bom desta casa", disse o velho.

"Pelo amor de Deus, vocês são praticamente semideuses, me digam como me preparar para o pior!"

"Sua riqueza não poderá o salvar, Sr. Boll, pois o mal que está a vir destruirá a tudo."

"Seu velho idiota, fale como gente!"

Irado, Gaspar pulou para cima de Estelar. O jogou contra a parede, implorando por respostas, mas o velho só conseguia soltar seus últimos suspiros de agonia.

Gaspar percebeu: estava morto, um dos últimos Escolhidos.

Deixou o velho lá, naquele canto escuro da sala iluminada por velas. A chuva havia parado do lado de fora. Seu carro o esperava.

"Tudo bem, Sr. Boll?", um de seus seguranças perguntou.

"Preciso de uma reunião com os meus homens, agora!", ele gritou marchando para o carro.

Acima, o céu escurecia. O pior estava por vir.

29 de julho de 2017

Entrecho: O Homem de Chapéu

Nada temia o Homem de Chapéu. Era humilde, sábio, vivido, discreto, quieto. Vagava pelo mundo para sobreviver e semear o bem, uma espécie de dívida que ele tinha com o resto da humanidade. O seu passado era sombria, mas o Homem de Chapéu não gostava de falar disso.

Usava um grande chapéu que fazia sombra em seu rosto, roupas largas e botas negras. Nunca andava a cavalo, apenas a pé com um cajado a mão.

O Homem de Chapéu carregava o revólver, mas o usava apenas para para salvar a vida de outros.

Não bebia. Não fumava. Não visitava festanças. Jejuava e dormia pouco, mal falava.

Sua missão no mundo era fazer o bem. Pois era um fiel a Deus.

Um dia, o Homem de Chapéu passeava por uma região muito seca quando uma serpente o surpreendeu. Seu dom de esquiva é conhecido em todo o país e ele conseguiu desviar e matou a cobra com seu cajado. Guardou a cobra para comer mais tarde e continuou sua jornada.

No mesmo dia, a noite, ele foi dormir e teve um sonho onde Deus o ordenava: tiro o veneno da cobra e molhe uma de suas balas com ele.

Assim ele fez pois era um homem fiel a Deus.

***

Alguns dias depois ele chegou em uma cidade onde a bondade não existia. Rio Vermelho era pequena e dominada por um coronal tirano, o Pistoleiro. As únicas pessoas que visitavam a igreja local tinham uma fé duvidável. Estava aos pedaços a igreja.

Havia jogos, prostitutas e bandidos em todos os cantos de Rio Vermelho. Não havia educação, não haviam leis.

Em busca de um teto, o Homem de Chapéu foi a uma pousada alugar um quarto. A atendente era uma mulher abatida e de aparência envelhecida. Estava grávida e já tinha um filho da idade de um menino. O nome da mulher era Ana Maria.

O Homem de Chapéu pode ver o sofrer dela.

Estava grávida do Pistoleiro.

"Que futuro terá meu filhos?", Ana Maria se perguntava isso todos os dias.

O Pistoleiro estava fora da cidade com seus homens e voltaria no dia seguinte. Ciumento, o homem que paquerasse sua mulher morreria em estantes.

O Homem de Chapéu não temia a morte, mas não queria paquera com Ana Maria. A chamou para seu quarto no meio da noite.

Uma fuga foi proposta. Uma fuga para longe, para um lugar distante, onde os filhos de Ana Maria pudessem viver em paz.

Um lugar chamado Baixada dos Anjos. Uma cidade perto da capital e de grande população. Haviam escolas e hospitais e policiamento. Um bom lar.

Ana Maria disse sim, ela mal ouviu.

***

A manhã chegou e o Pistoleiro estava lá. Um homem alto, forte e de forte personalidade. Todos os respeitavam e temiam. Tinha uma dúzia de capangas sempre ao lado, todos armados. Era um vaqueiro, homem poderoso, rico e de grande nome.

O Homem de Chapéu olhou para ele e sentiu pena.

Tratava Ana Maria como lixo, mesmo grávida. A pegava sem cuidado, batia nela, gritava com ela e outros maus tratos. O pobre Filho também sofria.

Rio Vermelho era o inferno e o Pistoleiro era o diabo. O Homem de Chapéu era o único caminhou para sair daquele lugar.

***

Quando estava quase anoitecendo, se notou uma fumaça subindo. Era fogo que logo cresceu e se espalhou. Uma casa abandonada, cercada de mato seco foi o necessário para distrair a atenção do povo.

Já de noite eles partiram, os quatro. Levaram pouca coisa e foram a pé.

Não demorou para que o Pistoleiro notasse a ausência de Ana Maria e do Filho. Procurou por ela em todas as artes, gritou seu nome pela cidade enquanto os homens tentavam apagar o fogo. Mas sua mente só queria encontrar a mulher que o abandonou e que iria pagar.

***

Foi uma fuga rápida. Por um tempo acharam que seria fácil. Mas quando já estavam cansados o inconveniente aconteceu: Ana Maria começou a entrar em trabalho de parto, no escuro, no silêncio e solidão da noite.

Apenas iluminados pelas estrelas, o esforço começou. Era como vomitar uma rocha fervente, uma dor única e terrível para uma pessoa naquelas condições.

Continuou até verem a cabeça da criança... mas só isso. Ana Maria não conseguia empurrar mais.

"O cordão ficou enrolado no pescoço", disse o Homem de Chapéu, "vamos ter que abrir seu ventre".

Mas Ana Maria não se importava mais com o sofrimento, só queria ver seu filho.

A faca enferrujada entrou se cravou na carne em uma dor ainda pior. Seu Filho nem podia assistir.

Mas o sofrimento foi recompensado e eles viram.... uma menina, era uma menina e os olhos de todos se maravilharam. Mesmo com a lanterna fraca a imagem da criança ficou bem clara para o Homem de Chapéu e o Filho.

O sangue jorrou sem controle. O sorriso ao ver a filho foi substituído por uma expressão de dor e agonia. Os olhos se fecharam lentamente, mas o Homem de Chapéu ainda pode ouvir:

"Cuide de minha filha, cumpra essa promessa".

E Ana Maria morreu.

Eles enrolaram a menina em alguns panos, olharam para baixo e foram embora. Nem o Homem de Chapéu nem o Filho tiveram coragem de fazer ou dizer nada.

Dormiram longe dali.

***

De manhã havia o cano de uma espingarda apontada para a cabeça do Homem de Chapéu.

"Seu chapéu não é a prova de balas, então é bom se levantar".

Ele se pôs de pé lentamente. A figura do Pistoleiro era sinistra, mas o Homem de Chapéu não teve medo. E, se aguentando nas pernas, o encarou.

Haviam doze homens acompanhando o Pistoleiro. Eram treze canos prontos para disparar.

Mas uma coisa o Homem de Chapéu não reparou de primeiro: o sumiço das crianças. 

"Eu sei que sabe mais do que eu", disse o Pistoleiro, "então me diga o paradeiro do moleque".

"Não sei o que aconteceu".

"Tu matou minha mulher!"

"Não sei para onde foram", o Homem de Chapéu tranquilo disse.

Algumas pessoas são bem dotadas pois Deus lhes dá esse poder desde o nascimento. O Homem de Chapéu podia sacar o revólver em menos de um segundo alguns diziam, mas nesse caso o Pistoleiro não levou um tiro antes dele.

Foi perto do coração, fatal. O Homem de Chapéu caiu no chão como uma pedra e encarou o céu azul e um momento de pura dor.

Mas ele também disparou. A mira da bala desviou e acertou a perna do seu rival.

A pele do Pistoleiro era dura como a de um animal selvagem. Mal sentiu dor, mas a bala sim atravessou.

Eles queria continuar a caçada pelo Filho, mas o Pistoleiro sentiu os primeiros efeitos do veneno. A náusea e dor. Foi levado de volta a cidade, mas não havia hospitais e nem centros de saúdo, apenas bares e bordeis. Depois de horas de agonia, o veneno da serpente o matou.

***

Um lindo céu azul com nuvens pálidas foi o que o Homem de Chapéu viu ao acordar. Ele sentiu a mão divina assim que abriu os olhos. O buraco em seu peito, cheio de sangue, não doía mais.

Ele pôde ficar de pé e começou sua caminhada. O dia escureceu e ele não parou, o dia clareou e ele não havia nem deitado para descansar.

Só queria chegar ao seu destino: Baixada dos Anjos.

Foi que no meio da estrada ele viu, vindo do mato, o choro de uma criança. Era uma menina, ainda enrolada nas mesmas cobertas, abandonada pelo pobre coitado do irmão.

O Homem do Chapéu continuou com o bebê nas mãos. Por horas a criança foi aquecida pela figura magnífica que o carregava.

No dia seguinte ele chegou onde queria, na Baixada dos Anjos e na frente do hospital da cidade ele deixou a criança, ainda chorando.

O Homem de Chapéu sentou na calçada e levou sua mão ao peito. A dor havia voltado e então tudo escureceu. Mas ele não tinha medo da morte, nem da treva.

Sua missão, sua promessa estava cumprida.

FIM

27 de julho de 2017

Análise de Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma

Há semanas que eu tenho pesquisado intensivamente todos os aspectos desse filme Todo o drama, a ação, a emoção.. e eu não estou falando do conteúdo do filme, mas da preparação que houve para ele. Esta na hora de revisar um dos filmes mais esperados - e também mais desapontadores - da história do cinema.

Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça Fantasma

 http://www.impawards.com/1999/posters/star_wars_episode_one_the_phantom_menace_ver2_xlg.jpg

TANTAS coisas podem ser ditas sobre esta obra-prima. Artigos já foram escritos tentando explicar a magia por trás desse fenômeno. Como pode um filme tão aguardado ser tão odiado justo por aqueles que estavam esperando por ele?  É uma história triste, mas que vou tentar contar com detalhes.

Vamos voltar para 1983. Depois do lançamento de Returno do Jedi e da conclusão da trilogia original, George Lucas saiu dos holofotes e os fãs ficaram felizes com o resultado (embora, claro, quisessem mais).

Foi só dez anos depois que George Lucas resolveu voltar a fazer Star Wars. Ele percebeu que a tecnologia dos efeitos especiais já havia evoluído o bastante para poder criar o seu filme e que ainda havia, ao contrário do que acreditava, uma grande fanbase que continuava assistindo os filmes e que liam romances baseados na franquia.

Em 1994 ele anunciou, na revista Variety, que estava preparando uma nova trilogia contando a história de Anakin Skywalker.

Os fãs foram ao delírio. O script foi finalizado em 96 e as gravações começaram em 97. A pós-produção durou nada menos que dois anos! E em maio de 1999, depois de muito tempo de expectativas, o filme foi lançado.

E aí foi descoberto um novo mundo.

Claro, as pessoas tinham seus "piores filmes" antes de A Ameaça Fantasma, existia até um prêmio para os filmes mais horríveis chamado Framboesa de Ouro (ainda existe). Mas foi depois de Episódio I que odiar filmes virou uma arte, não só uma arte para críticos especializados, mas para qualquer um, para qualquer fã triste.

Até os dias de hoje, A Ameaça Fantasma ainda é considerado o filme mais aguardado e também o maior desapontamento de todos os tempos.

Mas se quisermos mesmo entender o mistério por trás de Episódio I temos que analisar os elementos vitais do filme. Primeiro, vamos ler a sinopse.
Obi-Wan e seu mentor embarcam em uma perigosa aventura na tentativa de salvar o planeta das garras de Darth Sidious. Durante a viagem, eles conhecem um habilidoso menino e decidem treiná-lo para se tornar um Jedi. Mas o tempo irá revelar que as coisas nem sempre são o que aparentam ser

Um tanto que complexo, mas parece interessante. 

Agora, vamos analisar mais profundamente. Começando por:

1. personagens e caracterização

Segundo muitos fãs, o pior erro de Episódio I, para começar, foi a idade de Anakin Skywalker. Assistindo a trilogia original, os personagens se referem a Anakin Skywalker como quem foi um jedi velho, experiente e sábio, mas também um bom amigo e grande guerreiro (além de piloto habilidoso) que foi seduzido pelo lado sombrio e virou Darth Vader. Mas os prequels (como são chamados Episódio I, II e III em inglês e como eu passaria a me referir a eles agora) mostram uma face diferente deste personagem.

É difícil imaginar Darth Vader, um dos maiores vilões já criados, reduzido a um garotinho que grita "iupiii" e de atuação péssima.

O pior é saber que no rascunho original, Anakin era mais velho com 13 ou 14 anos de idade. Lucas mudou isso para dar mais "drama" na hora da despedida de Anakin e sua mãe do reencontro dos dois em Episódio II. Como se um adolescente não pudesse chorar, huh.

É triste como muito do rascunho original foi descartado. Por exemplo, originalmente Obi-Wan seria o único Jedi enviado para tratar com a Federação de Comércio, Qui-Gon Jinn não aparecia até o fim do segundo ato em Curuscant. Jar Jar Binks, personagem odiado pela sua caracterização, teria uma voz normal e não seria tão bobo. E Darth Maul teria mais falas.

Esses são alguns exemplos encontrados para mostrar como George Lucas não sabe escolher o que é melhor para o seu filme. A caracterização dos personagens de A Ameaça Fantasma é fraquíssima, existe pouca química e não nos importamos pelo o que acontece com ninguém na maior parte do filme. Arcos de personagem, aspectos essenciais na construção de um roteiro, não existem e o filme nem mesmo tem um personagem principal.

Me diga, quem é o protagonista de A Ameaça Fantasma? Qui-Gon? Obi-Wan? Anakin? Ou será Padme? O vilão está claro, mas não tanto o protagonista.

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Não simpatizamos muito com os heróis e nem sentimos medo dos vilões, esse é o problema. É uma cena, Qui-Gon diz que Anakin é um garoto único e que ele faz muito sem querer receber nada em troca. Esse aspecto de Anakin é pouco explorando antes dessa cena. É apenas um dos muitos exemplos do que está errado.

A maioria dos personagens também são bobos. Jar Jar Binks é o maior exemplo. Todo o momento ele grita e corre de um lado para o outro, como um idiota que quer paracer engraçado. Embora o filme tenha revolucionado os efeitos especiais, Lucas exagerou na quantidade de personagens CGI (computação gráfica).

2. enredo

Se compararmos o início de Uma Nova Esperança (clássico) com A Ameaça Fantasma, rapidamente percebemos que tem algo de errado com o segundo. Em Uma Nova Esperança nós temos uma história antiga mas poderosa e de fácil entendimento até para um criança. O Império está perseguindo os rebeldes que acabaram de roubar o mapa da Estrela da Morte. Só isso. É simples mas é legal.

Em Ameaça Fantasma não é simples e nem legal. Dois Jedi são enviados para resolver um conflito de disputa das rotas comerciais entre a Federação do Comércio e a República Galática. Depois de resgataram a rainha de Naboo, eles ficam preso no planeta Tatooine e conhecem o jovem Anakin que tem... blá, blá.

Viram? Eu nem tenho saco pra começar. Na verdade, nem consigo começar, é difícil incluir todos os pontos da história porque são muitas coisas acontecendo. E o pior é que nos importamos pouco com essas coisas já que elas acontecem de uma maneira muito chata. Para um história direcionada para um público jovem, está um tanto que muito confusa.

3. a direção

George Lucas odeia dirigir filmes. Ele mesmo falou isso. Ela odeia ter que se preocupar com as gravações, a escolha de atores, todo o movimento que se tem com o set e tal. Mas ele é um bom produtor executivo.

Lucas é um ótimo escritor de histórias, significa que ele é bom em traçar sinopses (como ele fez em O Império Contra-ataca e Retorno do Jedi). Mas é péssimo na parte do roteiro, especialmente no diálogo. O motivo de Uma Nova Esperança (escrito por ele) ter feito sucesso foi a edição, a atuação e a revisão de roteiro por seus amigos que o ajudaram em Loucuras de Verão.

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Mas ele dirigiu e escreveu A Ameaça Fantasma, esse é o problema.

Mas por que ele dirigiu já que era tão ruim? Temos que entender o contexto da época. Lucas era aclamado por ser o idealizador de todo o universo Star Wars. Acreditem, ele não queria dirigir nem escrever Episódio I. O cargo de diretor foi oferecido a Ron Howard, Robert Zemeckis e Steven Spielberg. Como roteiristas, Lucas considerou Lawrence Kasdan. Todas essas cinco pessoas disseram a mesma coisa: Lucas, você deveria fazer esse filme do seu jeito.
  
Essa é a consequência de ser idolatrado. Lucas perdeu a comunicação com qualquer outro profissional. Todos simplesmente balançariam a cabeça e diriam "sim" para qualquer escolha de Lucas, assim nasceram coisas como Jar Jar Binks e midi-chlorians.

Para ter ideia, Liam Neeson, intérprete de Qui-Gon Jinn, nem mesmo leu o roteiro antes de assinar o contrato.

Conclusão

Eu deixei muita coisa de fora na hora de criticar o filme. Mas só assistindo e comparando a trilogia original que se pode entender o motivo de A Ameaça Fantasma ter decepcionado tantos fãs por aí.

Porém, apesar de todo esse texto meu, A Ameaça Fantasma ainda é adorado por muitas pessoas. Eu mesmo não gosto dele como um filme comum, mas é o meu terceiro favorito da saga por causa da história e da simbologia implícita deixada por Lucas.

A Disney, atual dona dos direitos Star Wars, ainda considera A Ameaça Fantasma como cânon e tem continuado as histórias do filme em séries como The Clone Wars e Star Wars Rebels.

Para sempre viverá este filme na cabeça de fãs que tanto esperaram por um épico mas receberam um grande bolo de decepção.
 

8 de julho de 2017

Psicóloga

A mulher sentada na poltrona vermelha tinha cabelos negros, era delgada, alta, tinha óculos. O olhar era fixo e profundo, quase como das pessoas que ela tratava.

E havia o rapaz. Estava deitado no sofá. Olhava para o teto, para o vazio, os braços cruzados. Parecia impaciente, mas talvez soubesse o que estava fazendo. Se vestia muito bem, bem demais para estar daquele lado da sala.

Foi silêncio por um tempo.

- Eu tenho uma vida infeliz. - disse o rapaz.

- Por que exatamente?- ela perguntou.

O rapaz se acomodou na sua poltrona (menor e menos confortável do que a da psicóloga) e engoliu seco. Olhou fundo nos olhos da mulher, um olhar diferente, uma análise.

- Meu trabalho... não amo meu trabalho. É chato, eu trabalho com pessoas chatas. Todos os dias eu tenho que ouvir, ouvir... ouvir reclamações, todo tipo de coisa. Imagina?

- Sim, eu sei como é. Meu trabalho é mais ou menos assim.

Ela bebeu um copo d'água que estava ao lado, água gelada. 

- Não - ele disse - não sabe. Como você se sentiria em ter que ouvir os outros e não poder ouvir a si mesmo?

- É uma ideia ruim.. mas não funciona assim. - a psicóloga respondeu.

Bebeu outro gole, a água mais fria. O rapaz se inclinou para frente, quase que a encarando. Mas a psicóloga não se amedrontava. Parecia conhecê-lo, ou tentar conhecê-lo.

- E ter que voltar pra casa e aguentar uma vida dura, estressante, viver sem fôlego. Parece ruim?

- Sim, parece.

Um terceiro gole já quente esvaziou o copo. O olhar dela se perde, mão a cabeça. O rapaz parece saber muito.

- E junte isso com o seu passado, o seu histórico sombrio. Os abusos, os traumas, os medos.

- É terrível. - ela respondeu.

- Você tem algo a falar? - o rapaz perguntou.

- Eu tenho problemas também. Talvez eu sonhe demais. Talvez algumas coisas sejam apenas ilusões para mim. É difícil falar sobre isso. Nem deveria estar falando.

- Que tipo de ilusões?

O rapaz cruza as pernas. Mão no queixo, olhar de interesse. Os papéis parecem ter se invertido.

- Olha, eu sou a psicóloga aqui. O papel de doutora é meu.

A psicóloga parecia perder o controle. As mãos tremendo, o ar indo e vindo das narinas, a tensão aumentando.

- Está tudo bem. Eu também tenho problemas e quero ajudar - ele disse com uma voz calma - Está tudo bem.

- Não faz sentido. Eu sou a psicóloga!

- Eu entendo.

- Não entende. E não mande eu me acalmar! - ela começa a realmente gritar.

Do lado de fora do consultório duas moças esperavam por sua vez. Mas só podiam ouvir os gritos de uma mulher vindo de dentro.

Depois de um tempo o barulho acabou. A porta se abriu, de onde saiu o Dr. Artur e uma jovem mulher de cabelos negros. Ela parecia calma por fora mas nervosa, quase explodindo, por dentro.

- Tudo bem, Isidora - disse Dr. Artur para a mulher - Continue tomando seus remédios e volte na próxima semana.

A abatida Isidora agradeceu e se foi.

Uma das moças aguardando na sala de espera ficou curiosa.

- Doutor, quem era?

- Uma coitada que sofre de delírios. Muito traumatizada com a perda do filho mais novo. Ela acha que é uma psicóloga.

FIM

15 de junho de 2017

Atlântico

21 de janeiro de 1799
Algum lugar do Atlântico

Meu nome é Antônio Cunha, capitão desta embarcação vinda da costa africana de Angola, colônia de Portugal. Até ontem nossa tripulação era de 28 homens europeus e 50 escravos escravos, mas o sol nasceu hoje e encontrou 10 tripulantes mortos. Vários pretos foram mortos também, mas não sabemos quantos. Conseguimos deter o pequeno exército de negros, prendemos eles nos porões mais profundos da nossa caravela.

Não deveríamos estar fazendo isso... não somos um navio negreiro, não trabalhamos com isso. Mas o recompensa, eles disseram, seria grande. Deus tenha misericórdia, e eu peço desculpas a Portugal.

22 de janeiro 

Acho que ainda estão furiosos. Agora mesmo os homens estão descendo, os escravos ainda querem se rebelar. Coelho, um dos mais jovens do nosso navio, foi atacado e seu braço está bem feio...

23 de janeiro 

Parece que os negros relaxaram, graças a Deus. A maré está ficando forte, e tem bastante neblina. Assunção, nosso médico, disse que Coelho vai perder o braço, terão que amputá-lo. Pobre rapaz.

Estou com medo.

24 de janeiro

Os homens ouviram uma estranha cantoria lá embaixo, parece que os negros estão realizando uma espécie de ritual. Coisa do diabo, com certeza. Mas Brito disse que não tem problema, não devemos nos preocupar. Eu confio em Brito, é um homem sensato.

Conseguiram amputar o braço esquerdo de Coelho. Achei ele calmo demais.

A maré está um terror, a neblina é muito densa. O vento parece sussurrar palavras sombrias nos nossos ouvidos.

25 de janeiro

Não tenho muito a declarar... Santoro desapareceu, ele simplesmente sumiu. Alguns dizem ter visto ele se jogar nas ondas.

26 janeiro

Estamos perdidos. Acho que sim.

27 de janeiro

Passei a maior parte do dia dormindo. Castro nem fala mais, Rodrigues sente dores pelo corpo. Tem umas risadas, no ar... eu não sei. Me sinto pesado.

28 de janeiro

Hoje eu consegui me levantar melhor, se me entendem... mas ainda estou com sono. Parece que estamos todos doentes. Estamos com fome também. Tudo parece tão lento, a comida tem um gosto ruim...

Preciso escrever que Araújo avistou de manhã uma terra no horizonte, ao norte, que parecia promissora. Acho que a neblina está enfraquecendo. Graças a Deus, eu nem acredito que precisamos perder 14 homens nesta viagem.

29 de janeiro

Terra, finalmente. Deve ser uma ilha não muito grande, mas existe vida aqui. E tudo é agradável do que no maldito navio. Vamos passar uns dias aqui.

2 de fevereiro

O barco sumiu. Eu não sei o que houve, ele simplesmente se foi. Passamos alguns dias aqui, estava bom demais e agora, algo diabólico assim aconteceu. O barco se foi, os escravos se foram, tudo que tínhamos se foi, e eu nem sei onde estamos!

5 de fevereiro

Assunção enlouqueceu. O nosso médio ficou LOUCO! Ele fala de fantasmas, de espírito escuros que nos caçarão. Muitos estão loucos. Os dois irmãos franceses que tínhamos a bordo sumiram no mato. Rodrigues, Ferreira e Araújo foram ver se encontram eles. Espero que não achem os cadáveres!

7 de fevereiro

Ontem eu vi um maldito barco no horizonte, mas estava tão longe...

A vida está horrível aqui. Tem mosquitos, animais selvagem (javalis, onças, cobras) e uma.... ah. Eu odeio esse lugar. Não sei por quanto tempo sobreviveremos.

8 de fevereiro

Encontraram os corpos dos dois irmãos franceses... Pierre e Emmanuel. Estavam secos, magros mesmo, como se o Satanás tivesse arrancado a alma deles. Deus os tenha. Agora somos apenas 12.

9 de fevereiro

Assunção agora anda apenas na praia, como um louco, nu, gritando contra o mar. Meu Deus do céu...

Coelho é a pessoa mais corajosa e sã depois de mim, ele é um rapaz confiável. O resto ou está fraco, abatido ou está fora das faculdades mentais.

10 de fevereiro

Eu e Coelho decidimos que nós deveríamos subir um grande morro no centro da ilha, para assim ter uma melhor vista do mar. É uma boa ideia ficarmos lá.

Mas Assunção não quis ir, ele continua lá gritando contra o mar, sem roupas, doido.

13 de fevereiro

Finalmente chegamos. Demorou três dias. Tivemos o imprevisto de Valdéz, nosso espanhol, ter quebrado a perna ao escorregar em uma ladeira. Depois veio uma tempestade terrível, ficamos com muito frio.

O topo deste morro é bastante alto, mais alto do que eu imaginava. Temos uma boa vista. Se acendermos fogo aqui, um navio que se aproximar poderá nos perceber e vir nos resgatar.

14 de fevereiro

Acendemos um fogo ontem de noite, mas nada. Vamos viver aqui em cima. Brito teve a ideia de construir uma embarcação para sair da ilha, mas eu acho que ele está louco. Não é possível fazer isso, nem temos madeira suficiente.

15 de fevereiro

Nóbrega e Alexandre encontraram umas árvores lá atrás, umas frutas boas elas dão, bem saborosas.  Mas Castro e Brito não quiseram comer, eles me parecem muito sensatos.

Estou rio enquanto escrevo isto. Não rio a semanas.

16 de fevereiro

Nós acordamos nesta madrugada passando mal, muito mal. Foram as malditas frutinhas. Ainda estou muito mal, vou dormir.

19 de fevereiro

Ficamos dois dias com febre alta e muita dor. Nunca mais encostaremos nas frutas, nunca.

Os únicos que não demonstraram sintomas foram Brito e Castro, eles nem comera. Pra falar a verdade, eles andam muito juntos ultimamente, quase que só conversam entre si e dormem afastados.

Mas enfim, ontem de noite Araújo avistou um barco que estava bem perto. Nós acordamos para ver, mas já estava longe. Ainda há esperança!

Sinto falta de Assunção, um bom amigo ele era. Acho que ele não está mais vivo.

21 de fevereiro

Faz um mês desde a revolta dos escravos.

Os rapazes pegaram um enorme javali hoje.

23 de fevereiro

Uma neblina apareceu hoje. Está fazendo muito frio.

24 de fevereiro

Nem consigo me manter em pé com este vento. Está frio...
Uma neblina surgiu.

26 ou 27 de fevereiro

Brito e Castro dizem que construirão um barco. Eles começaram a derrubar árvores. A neblina tomou conta de tudo.

Começo de março 

Muitos outros estão se juntando ao projeto de Brito e Castro, de construir uma embarcação. Eles não falam muito. Ainda nem vi esse barco.

3 ou 4 de março

Desgraçados, o que eles estão fazendo? Não podem me desrespeitar. Eu não dei ordens para construir uma embarcação nesta ilha! A minha ordem era ficar aqui e continuar esperando pelo navio de resgate

Março

Não vou tolerar que alguém saia de perto de mim. Espanquei Valdéz por tentar descumprir minhas ordens. Mas é isso que acontece.

Meio de março

Só Coelho ainda me respeita. Todos os outros moram agora do outro lado, filhos da mãe...

[data não definida]

Coelho acordou morto. Acho que ele não aguentou o frio. Culpa daquele desgraçados do outro lado.

[data não definida]

Não aguentei, fiquei com fome e fui ver o que havia do outro lado da ilha. Quando cheguei o barco estava partindo, indo embora, um gigantesco navio! Como é possível?

[data não definida]

Ouço vozes estranhas. A neblina está tão forte, nem vejo minha mão.

Avistei estranhas figuras. Figuras negras...

[data não definida]

Estão me perseguindo, os espíritos negros, não sei se sobrevivo... São muitos


Fim do diário do capitão Antônio Cunha. Meses depois uma navio português em sua procura chegou na ilha e encontrou os restos de Cunha em uma caverna, junto com seu diário.

Augusto Brito, porém, nunca mais foi visto, e nem o resto da tripulação.
 

14 de junho de 2017

A Prisão Existencial.

É duro pensar como vivemos em um mundo cheio de histórias sobre anjos, diabos, fadas, monstros e deuses mas ainda não ter nenhum prova da existência de tais criaturas.

É como se estivéssemos privados da verdade... é como uma prisão!

É o que eu chamo de prisão existencial, um dos aspectos mais assustadores dessa vida bandida. É o estado onde você vive uma verdade mas que não pode provar se é verdade ou não! É terrível, e o pior é que isso é vida. Eu não estou falando só de religião, mas de vários aspectos da vida como a política e filosofia ou moral.

O comunista tem certeza que sua ideologia é a melhor? E quem pode provar que sua moral é importante e verdadeira?

A única forma de fugir desta prisão é o suicídio, mas vamos concordar que isso é um tanto inadequado, além do mais se matar só para ver o que há do outro lado não é uma atitude muito cristã.

Boa sorte!


8 de junho de 2017

Deus e o Problema da Incapacidade

Nos últimos meses eu tenho desenvolvido novas teorias a respeito de Deus e Sua natureza sobrenatural. Meu outro post cobriu muitas de minhas ideias e conceitos teológicos, mas agora eu quero explicar essas duas teorias minhas.

O que eu quero explicar é como Deus pode agir neste mundo sem ser "visto". Ele não tem forma nem tamanho, mas é dito como onipotente. Se é assim, como as coisas materiais são modificadas por Ele?

Aí entra o problema da incapacidade.

Eu criei este conceito. Trata-se da falta de poder que Deus tem em alterar as nossas vidas de forma direta. É difícil entender, mas eu tenho um bom exemplo: 

Um homem, depois de sair de um festa, está bêbado e decide dirigir até em casa. Seus amigos, após saberem que ele saiu embriagado, decidem rezar pelo homem. Como Deus pode ajudar?

Existem duas formas que Deus poderia agir aqui. Primeiro, Ele pode agir como o Deus gnomo, ou Ele pode dar uma de DeusLorean. Vou explicar o que cada um desses termos significa.

Deus gnomo: de acordo com essa teoria, Deus só pode agir em nosso mundo em uma escala molecular ou até atômica. É por isso que todas Suas ações são tão sutis. Ele é capaz mover pequenas estruturas invisíveis aos nossos olhos, mudanças que terão um enorme impacto.

Esta teoria defende também que a nossa química emocional é alterada por Ele. Assim explicamos como as orações ajudaram o homem embriagado que saiu dirigindo. Deus mexeu em sua cabeça e alterou seus sentidos, diminuindo ou anulando a embriaguez. Isso explica como Deus "toca" na mente de algumas pessoas (ou no coração).

Particularmente, não gosto dessa teoria. Ela diminui demais o Seu poder, fazendo d'Ele apenas um... gnomo, um gnomo divino.

DeusLorean: quem já assistiu De Volta Para o Futuro sabe porque esta teoria tem esse nome. No filme de Robert Zemeckis, a máquina do tempo é um DeLorean dos anos 80, um carro que fez bastante sucesso. Então fiz um jogo com as palavras.

Esta teoria afirma que Deus é um viajante do tempo. Você leu direito. No caso do nosso motorista embriagado, Deus voltou no tempo e diminuiu a dosagem de cerveja tomada pelo homem, fazendo dele mais sóbrio. Sabe o que é mais legal? Ninguém percebeu isso.

Se você já assistiu De Volta Para o Futuro, seja o I ou II, sabe que apenas os viajante do tempo (Marty e Doc Brown) são cientes das mudanças no tempo. Os que ficam nas suas linhas de tempo não percebem a alteração dos eventos causados pela viagem de Marty e Doc.

Deus é Marty e Doc, nós somos o resto dos personagens. Isso porque não percebemos que Deus volta no tempo e muda as coisas.

Mas não fique achando que o trabalho de Deus é fácil. Ele não só muda os eventos do passado, mas como toda a estrutura do universo. Isso mesmo, desde o início, para que assim as coisas ocorram de outra maneira.

No meu exemplo, Deus não só diminuiu a dosagem, como mudou o passado alcoólatra do homem, para isso ele fez a família dele mais rica, pra isso ele nasceu em outra cidade, pra isso a região onde ele vive foi colonizada de outra maneira, e assim por diante até o começo do universo.

Vivemos constantemente em um mundo paralelo, sempre em mudança, mas não percebemos.

É de quebrar a cabeça, eu sei. Mas é uma teoria que destrói totalmente o problema da incapacidade. Também pode jogar a favor dos cristãos. Como explicar a Arca de Noé? Podemos dizer que nunca aconteceu em nossa linha temporal!

Espero que tenham entendido, esse post é muito importante para entender a natureza de Deus. Até a próxima!

5 de junho de 2017

O Julgamento

Piauí, 1918

Foi descoberto que Maurício, o negro que levou um tiro, estava de namoro com a filha do Coronel Silvestre. Este dizia que Maurício havia invadido sua propriedade.

"Não sou odiador de negro", disse o Coronel no dia do julgamento, "minha filha do meio, a Anastácia, tem caso com um rapaz de cor mas que é trabalhador".

Aí então foi revelado que esse namorado de Anastácia era ninguém menos que o próprio Maurício, que havia penetrado na fazenda do Coronel apenas para ver sua amada.

Um tiro na coxa, rapaz quase morre.

Silvestre brigava com sua filha, "por que não me contaste?", e ela dizia que o pai era um tolo desatencioso.

O advogado de defesa de Silvestre era ninguém menos que Júlio. Vinte e cinco anos, recém formado, jeito de maricas mas peito de homem (quando ele estufava).

No dia do julgamento, um lado do júri gritava "enforca o preto bandido", e o outro gritava "prende o Coronel e deixa ele na sala solitária por dois meses." Este último grupo era na maioria formado pela família de Maurício (era grande; ele tinha seis irmãos, quatorze tios e trinta e nove primos; mas eles todos não estavam lá) e os pobres da região que sofriam nas mãos do Coronel Silvestre (este fazia voto de cabresto).

O outro grupo era do lado do Silvestre, é claro, e eram muito racistas.

O advogado que defendia Silvestre era um homem baixo e gordo, mas de olhar furioso. Na hora de falar, o que ele disse foi: "O réu Maurício é acusado de invadir a propriedade do Sr. João Silvestre da Silva, além de estar em relacionamento com uma moça branca. Isso não é crime onde vivemos, pelo menos não no papel, mas todos aqui sabem que gente branca e negra não dão certo juntas. Por isso, acredito que o jovem... marginal... Maurício merece o enforcamento."

Uma porção do júri aplaudiu. Júlio disse: "Isso é ridículo! Maurício não tinha a intenção de roubar nada ao adentrar na propriedade do Coronel, tudo que ele queria era ver a Anastácia. E relacionamentos como esses aqui não são crimes de forma nenhuma, nunca foram. Poucos apoiam isso, compare a composição do júri. Eu não defendo a prisão de Silvestre e muito menos a morte de Maurício! Mas sim eu acredito que vinte mil contos de réis seriam o bastante para deixar Maurício e sua família felizes."

Aplausos. O juiz pede por silêncio.

É hora do júri votar... composto por cinquenta pessoas, quarenta e um votaram para a proposta de Júlio, apenas oito defenderam o enforcamento de Maurício.

Com a ajuda da democracia e da boa defesa, Maurício foi liberto. Ele não continuou o namoro com Anastácia, mas pegou seu dinheiro e se mudou com a família para a Bahia.

Silvestre resolveu ergues altos muros ao redor de sua fazenda. Anastácia só foi namorar de novo aos trinta e cinco anos!

Quanto a Júlio... algumas semanas depois ele começou a visitar bares e se embriagar. Em uma bairro ordinário de Teresina, ele disse a um velho que mal o ouvia: "eu livrei um negro da cadeia porque o povo daqui não é racista. Sabe o que é engraçado? É que poderia muito bem ter sido o contrário. É o mundo em que vivemos, assim pensamos, é nossa verdade..."

Bebeu um gole.

"Sabe o que ainda é mais engraçado? Que o negro desgraçado nem me agradeceu!"

E desmaiou de bêbado!

FIM

6 de maio de 2017

Três Almas por Dois Mil Reais

Parte I

Um carro cravado de balas cruzava a estrada que sai da cidade. O motorista sem fôlego atrás do volante, uma mochila cheia de dinheiro ao seu lado. "Jogo nesse matagal e volto amanhã, ninguém toca nela", ele pensou.

As sirenes da polícia logo atrás. Pé no acelerador, penetrando a escuridão da noite, o homem tinha sua camiseta em vermelho, sangue de família.

Mas não acordaram o povo daquela casa. Era uma senhora, seu cachorro e dois inquilinos: rapaz e moça, protagonistas desta pesada história.

No quintal, uma mochila com dois mil reais. No céu, o sol se levantava.

O rapaz tinha 29 anos, um homem, moço no espírito e aparência. A moça era mais nova, 24 anos, inteligente mas reservada. Divididos por uma parede, iguais em pensamento, fora deste mundo.

Sebastião era o nome dele, vindo do interior, ganhando a vida na capital. Era o caçula de cinco irmãos, todos formados, trabalhadores, sempre rebaixaram Sebastião. Mas ele nunca desistiu.

Fazia bicos de segurança, ganhava pouco. Queria algo maior, mas a vida parecia querer abaixá-lo. Foi quando conheceu Sara, inquilinos da senhora dona de pensão, que não é muito importante nesta história.

Sara era sonhadora, mas nunca saiu do lugar. Trabalha no pior dos empregos: doméstica. Era humilhada por seus patrões, mas sempre foi feliz.

Sebastião nunca havia dito uma palavra para sua vizinha, que também não ligava muito para ele. Mas o dois ainda sonhavam em ir embora, em viver só, longe daquele mundo, das pessoas que os faziam mal...

A situação mudou quando Sebastião achou a mochila cheia de dinheiro.

Na noite passada tiros foram ouvidos, mas não eram fogos de artifício. O mercado foi assaltado, todo o dinheiro levado. Um dos policiais conseguiu acertar um ladrão na fuga, mas seu comparsa fugiu.

"Se me pegaram, não pegam o dinheiro", pensou o ladrão furioso.

Então lá jogou o dinheiro, naquele monte de mato. E Sebastião por acaso o achou enquanto caminhava pelo quintal. Era uma mochila negra, velha. Havia sangue em um lado da mochila, mas já estava seco. Dois mil reais em notas de dez e cem.

O coração de Sebastião aqueceu, mas ele não contou a ninguém.

"A polícia continua as buscas pelo bandido que assaltou um mercado na cidade" diziam os rádios, Sebastião assistindo, "segundo as autoridades, o nome dele é Carlos e seu irmão, Israel, foi morto durante uma troca de tiro logo depois do assalto".

Parte II

Sebastião, deitado em sua cama, olhava para a lâmpada no teto. Em cima da sua mesa havia o dinheiro. Ele sabia que aquilo devia ter um propósito em sua vida, mas não tinha certeza do que era.

Do outro lado, Sara tentava dormir, mas os mosquitos, a escuridão e o silêncio não deixam, além do sentimento de solidão que a perseguia.

Foi na manhã seguinte que Sebastião arrumou suas coisas. "Pra onde vai?" perguntou a senhora dona da pensão. "Vou para minha cidade natal, vou recomeçar lá, adeus", ele respondeu. Algumas roupas, o dinheiro e um revólver velho era o que ele levava.

Sara, da porta de sua casa, observava aquele homem indo embora. "Ele é tão determinado", ela pensou, "tenho vivido por tantos meses ao seu lado e nunca percebi isso".

O ônibus já estava chegando, Sebastião se preparava para embarcar. "Espera!", ele ouviu vindo de trás. "Qual é seu nome?", Sara perguntou, mas Sebastião não respondeu, sorriu e a abraçou.

E entraram no ônibus juntos.

Parte III

Esta é a história do ladrão Carlos e o que aconteceu a ele:

Eram dois irmãos: Carlos e Israel. Quatro anos de diferença. Nascidos na pobreza, criados na criminalidade, o bairro mais pobre da cidade era o lar deles. Carlos era mais novo mas não era menos esperto, na maioria das vezes ele orquestrava os crimes.

Mas Israel era mais adorado pelo pai, pobre garoto, leve paralisia cerebral. Muitas vezes era abusado pelo irmão.

Um assalto em um mercado no centro deu um fim à vida de Israel, dois tiros nas costas o derrubaram. Mas Carlos escapou e com uma reputação inteira de crimes, não deixaria que os policiais pegassem de volta o seu roubo.

Correu por quilômetros. Gasolina acabada, se meteu nas matas, conhecia o caminho até a casa do seu amigos Jonas, que o ajudava em horas "difíceis".

Logo a polícia havia o perdido. Mas ele queria seu dinheiro de volta, e ele sabia onde havia o jogado.

Parte IV

Não eram namorados, nem amigos, apenas companheiros em um mundo de incertezas. Lutavam para contar do dinheiro, o ônibus balançava severamente.

Sebastião logo estava em casa, morava sozinho, irmãos moravam em outra cidade. Sara apenas se deitou. Eles pouco se falavam, mal se olhavam, mas eles estavam bem. Não se amavam, mas se admiravam.

"O dono deste dinheiro deve estar bem longe...", sussurrou Sebastião.

Mas assim que a noite caiu e o mundo se calou, sons e barulhos eram ouvidos ao redor da casa, algumas vezes vidro quebrado. Algum gato ou vizinho inquieto, eles pensaram. Era algo muito pior.

O terror só veio de manhã... numa janela do prédio vizinho ele se escondia. O tiro foi na perna, acerto em cheio, sangue, gritos, dor.

Mas tiros foram disparados, mas nenhum acertou.

Sebastião veio resgatá-la, Sara perdia muito sangue. Percebeu uma janela quebrada no carro, mas achou que um tiro a tinha acertado. Se apressou e acelerou com tudo.

"Vai ficar tudo bem, ele dizia", Sebastião dizia. "Ele vai nos matar antes de chegarmos em um hospital", ele pensou rápido, "ninguém vai estragar minha vida, não mais!".

Da janela do prédio, Carlos tudo via. O olhar maligno nos seus olhos, a lembrança do pobre irmão, que nunca mais verá, o desejo de vingança, "aquele dinheiro é meu!".

Roubou um carro, o primeiro que viu e acelerou o máximo. Tirou um pequeno dispositivo de seu bolso, uma luz vermelha que mal piscava, enquanto mais acelerava, mais rápido piscava.

No carro de Sebastião, Sara gemia, já estava branca. Um barulho, porta-luvas. "Que diabos é isso?", Sebastião pegou aquele objeto escuro... uma luz piscava constantemente... ele estava chegando mais perto. Pensou em destruir o aparelho de rastreamento com o revólver, mas só havia uma bala.

"Pra onde vamos?!", disse Sara, "Vamos sair do centro! Vou matar esse desgraçado!", respondeu Sebastião.

Parte V

Já podia ver Carlos no retrovisor, o rosto assassino. Sara na beira do desmaio.

Era um terreno baldio, um pequeno morro, havia um boa vista de um parte da cidade. A vegetação crescia alta ali. O carro parou. 

Sebastião saiu do carro, canhão na mão, coração a mil. Sara desacordada.

O outro carro parou.

Carlos, escopeta na mão, apontando a sua arma.

"Me dê o dinheiro"

"Não"

"Dê, ou atiro"

"Não"

"E quem é você? Um qualquer que acabou pegando o dinheiro que eu roubei. Você não tem nada a ver com essa história, rapaz!", disse Carlos.

"Eu tenho esperança, você vive um pesadelo!", Sebastião apontou o revólver.

"Eu sacrifiquei meu irmão para isso! Eu amava ele! Sim, amava!"

"E eu sacrifiquei minha amiga, minha única amiga!", Sebastião disse, baixando sua arma e erguendo os braços, "me mata, se tiver coragem!"

E Carlos atirou, e ele caiu, barriga aberta, rosto no chão, sangue e terra.

Carlos caiu de joelhos, mas conseguiu se manter em pé depois. Dentro do carro estava uma mulher morta banhada em sangue mas nenhuma mochila.

E ele pôs a mão na cabeça, e chorou por seu tesouro, sentado no banco, perdido.

Mas se virou e viu Sebastião, em pé, mão na barriga, sangue até os pés, revólver em punho Uma bala.

Mirou no tanque de gasolina.

Parte VI

A mulher ligou o rádio, como sempre fazia no meio-dia.

"Foi como uma bomba", disse o âncora do jornal, "coisa de cinema. Vizinhos disseram ter ouvido o barulho pela manhã, mas a polícia só chegou lá há poucas horas. Segundo o sargento Dias, da polícia militar, foi encontrado um corpo carbonizado ao lado de um carro, também carbonizado. Dentro do carro, o que era o corpo de um homem e uma mulher. Também segundo o sargento, no porta-malas do veículo havia uma mochila contendo dois mil reais."

FIM