Norma
adorava fumar. Era terapêutico para ela, como que um alívio de suas
dores internas e externas, um elixir para tudo, um escape.
Gostava
de fumar olhando para o teto. Tinha reparado numa goteira. Sempre
quando chovia, ela fazia um barulho que deixava Norma bem calma.
Ninguém
sabia que a moça fumava, nem mesmo os pais, nem o namorado. A
propósito, era justamente por causa deles que Norma teve que
recorrer à nicotina naquela noite.
Era
a noite em que seus pais conheceriam Joniel. Dona Delzimar estava
mais que animada para a ocasião, chegou a se arrumar bastante. Havia
um brilho em seu olhar que Norma percebeu, um brilho de alguém que
esperava por algo verdadeiramente fantástico. Já tinha ouvido falar
muito de Joniel nas últimas semanas, analisou muitas fotos suas e
seu perfil por completo, mal podia Delzimar esparar para enfim
conhecê-lo.
Quanto
a Seu Augusto, estava com o rosto monótomo de sempre, expressão
quase nula. Uma falta de expectativa ou um completo desinteresse pelo
rapaz? Delzimar reclamava muito disso em seu marido, naquela sua
falta de espírito. Esperava vê-lo simpático naquela noite.
Mesa
pronta. A companhia tocou. Joniel estava mais que elegante, todos
repararam. O lindo sorriso em seu rosto era contagiante. Norma o
abraçou fortemente, beijando-o com uma intensidade não praticada
antes, uma exibição aos pais.
Dona
Delzimar viu no rapaz tudo de bom. Gentil, educado, boa pinta e com
cara de inteligente. Seu Augusto estava... com fome, não aguentava
esperar pela hora do jantar. Sua filha podia casar até com um
javali, não fazia muita diferença desde que ela saísse de casa.
Sentados
à mesa, foram pondo os assuntos em dia, iniciando o lento (e para
Seu Augusto, muito doloroso) processo de conhecer ao outro.
Observadora,
Dona Delzimar prestou atenção em cada detalhe do jovem, cada
movimento de pálpebras, cada gesto com as mãos, seus trejeitos e
mínimos defeitos. Enterrava Joniel de perguntas, algumas importantes
e outras bobas, deixando a filha constrangida. Seu Augusto chegou a
quase cochilar.
Norma
não estava surpresa com a mãe exageradamente curiosa ou com o pai
indiferente. Esperava isso mesmo, mas também esperava não ter um
ataque nos nervos ali. Era muito grata por não ter irmãos, isso
sim, pois não precisava ter que aguentar mais membros da família
naquele jantar.
Na
perspectiva de Joniel, antes bem contente em conhecer finalmente os
pais da namorada, as coisas estavam prestes a ficar bem
constrangedoras. Percebeu que Delzimar não deixava de fitá-lo.
Achava que era apenas admiração inocente de sogra, gesto fofo de
madame anfitriã. Mas sentiu o calafrio percorrer sua espinha quando
o pé de Delzimar começou a tocar o seu sob a mesa. Conseguiu sentir
os dedos velhos e enrugados, frios com a noite lá fora, vestidos
somente uma sandália, entrelaçando-se com o tecido da superfície
de seu tênis. Teve que afastá-los quando a senhora começou a
desamarrar o cadarço com a ajuda do seus dois dedos maiores. Quase
soltou um som se não fosse por Norma que, ao lado, nada percebia.
Mas
estava prestes a perceber. Pedindo licença e uma tempo em particular
com Norma, Joniel contou à namorada os detalhes do ocorrido. Rapaz
honesto, Joniel não sentia-se bem escondendo nada daqueles próximos
dele e foi obrigado a contá-la.
De
volta à mesa e completamente envergonhada, Norma tentou introduzir
seu pai a Joniel, mas fracassou completamente. Se não estava olhando
para os lados, o homem resmungava. Queixava-se de sono e dores, como
se Joniel não existisse, ou mesmo ninguém ali.
A
noite progrediu naquele ritmo. E então começou a chover, como se os
céus chorassem por Norma. Como ele vai querer ter sogros assim, a
coitadinha pensou.
Alguém,
então, bateu a porta. E continuou batendo, como se estivesse
tentando derrubá-la. É o Danilo!, gritava a voz. Quando Norma abriu
a porta, Joniel reconheceu logo que era seu irmão, pôs logo a mão
sobre os olhos.
Era
uma caricatura aquele garoto. Danilo era um versão piorada do irmão
mais velho, gordinho, sardento e cabeludo. Estava encharcado, como se
não bastasse tudo. Vim correndo e começou a chover, me empresta
seus fones de ouvido?, ele perguntou.
Seu
Augusto, em um repentino despertar, reconheceu o garoto ensopado de
água ali no meio sala. É o rapaz do parque!, ele disse, animado.
Os
dois pareciam se cumprimentaram como se conhecessem há anos. Foram
para o quarto nos fundos, onde não retornarão tão cedo, rindo como
duas crianças.
Joniel
olhou para a namorada e os dois deduziram logo as atividades ilícitas
que tanto Danilo quanto o senhor estavam envolvidos, o boné com
folhas de canábis não deixaram dúvidas, além da fumaça e do
constante riso que vinha lá de trás.
Delzimar
não deixava de olhar o futuro genro, uma paixão incabível.
Norma
não conseguia acreditar. Seus nervos estavam quase explodindo,
estava prestes a perder o controle. Só queria deitar e se acalmar, a
noite tinha sido um completo fracasso.
Foi
para seu quarto e trancou-se. Sentou-se na cama e olhou para o chão,
a caixa de cigarros estava quase sorrindo para ela. Não se lembrava
de estar ali, devia ter deixado-a cair quando saiu para a cozinha.
Mas o importante eram seus cigarrinhos, Norma não precisava de outra
coisa, só de uma boa noite de fumo. Mas então veio a surpresa:
quando foi abrindo, viu que todos os cigarros estavam molhados,
completamente encharcados de água. Olhou para cima. Os cigarros haviam aterrissado bem debaixo da maldita goteira.
Que
terrível noite para a Norma.
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