Sempre fui fascinado pelas
histórias que envolviam cavaleiros, dragões e princesas em perigo.
Costumava me imaginar, quando menino, como um alto e forte espadachim
lutando contra feras místicas no topo de montanhas e salvando a
minha amada das garras do inimigo. Mas eu cresci e aqui estou: um
homem de trinta anos que trabalha muito e dorme pouco morando em uma
pensão de tamanho desconfortável.
Porém, recentemente, como
um sinal de alguma força superior, fui surpreendido pela visita de
um réptil escamoso, personagem tão frequente em minhas fantasias
infantis. Ele preferiu, entretanto, não bater à porta e achou mais
interessante - talvez em uma tentativa de me surpreender, o
espertinho - procurar abrigo em meu banheiro. Foi uma boa decisão
por parte daquele dragão, afinal o meu banheiro (um dos três
cômodos de minha humilde casa) era aconchegante e úmido, assim como
um ninho de dragão.
A fera era perigosa e exibia
as presas assim que eu tentava me aproximar. Não arrisquei nenhum
tipo de contato que não fosse visual, pois o próprio vislumbre
daquela criatura já era assustador. Fui obrigado a usar o banheiro
do vizinho por dias, sob o pretexto de que o meu estava "com
problemas", para não enfrentar o monstro mitológico que tinha
se mudado para debaixo de meu chuveiro.
Mas como em toda história
de cavaleiro onde há um dragão, há também uma princesa. Em uma de
minhas idas ao supermercado, me deparo com uma antiga colega de
escola, Ângela. Era grande meu fascínio e admiração por aquela
donzela (na época de escola era uma donzela, nos dias de hoje não
sei dizer), por isso não hesitei em pedir seu número de telefone.
Minha empreitada romântica com Ângela teve sucesso e depois de um
encontro caloroso cheguei a convidá-la aos meus aposentos, sem me
preocupar em qual seria sua reação ao se deparar com a modéstia de
meu lar.
Somente chegando em casa fui
me lembrar da presença de um dragão em meu banheiro. É de se
estranhar que alguém se esqueça de um convidado tão ilustre, mas
conjecturo que eu estava sob o efeito da "embriaguez do amor",
como chamam os poetas, para não me recordar da fera que ali residia.
- Vamos para o seu quarto? -
Ângela perguntou retoricamente, passando seu dedo indicador em minha
testa suada, gesto seu que denotava intenções obviamente sexuais,
mas pobre da moça mal sabia que a poucos metros de onde estávamos
havia um dragão.
O suor em minha testa era,
claro, fruto de meu temor. Mas, como um bom cavaleiro, nada temia.
Naquele instante, ressuscitei todas as fantasias que eu tinha quando
criança. Limpei o suor da testa e pedi que Ângela se afastasse. Fui
à minha "cozinha" (a sala de estar e cozinha eram no mesmo
cômodo) e da gaveta tirei uma faca de lâmina afiadíssima,
aquisição recente que eu tinha feito com o único propósito de
cortar cebolas, agora seria o instrumento heroico de abater dragões.
- O que está fazendo? - a
moça novamente me indagou, dessa vez com uma expressão assustada,
talvez pensando que ela fosse a vítima. Acalmei-a e a informei
sobre minhas intenções com aquela arma. Em seguida, me dirige ao
banheiro (uma jornada de três metros) e abri a porta, meu braço já
em posição de ataque. Ângela estava atrás de mim.
A fera estava lá, terrível
como sempre. Ela abriu sua boca, pronta para soltar a labareda de
fogo ardente, pude sentir o ar esquentando, mas não conseguiu, fui
mais rápido. Penetrei com minha faca em seu pescoço carnudo e
escamoso, a besta se contorcia como uma serpente, o grito de dor era
de doer os ouvidos. Continuei golpeando meu inimigo. Ângela só não
gritava porque tinha a mão na boca, a pobre incrédula.
A cena terminou somente com
a queda do dragão sob sua poça de sangue frio. Larguei a minha
espada, embora parecesse mais uma faca, e me aproximei de minha
princesa.
Beijei Ângela, como um
cavaleiro que conquista o coração da bela donzela. A expressão de
horror no rosto da moça sumira. O resto da noite não precisa ser
contado. O cavaleiro vencera o dragão e se tornara um herói
lendário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário