28 de março de 2020

Um dragão em meu banheiro


Sempre fui fascinado pelas histórias que envolviam cavaleiros, dragões e princesas em perigo. Costumava me imaginar, quando menino, como um alto e forte espadachim lutando contra feras místicas no topo de montanhas e salvando a minha amada das garras do inimigo. Mas eu cresci e aqui estou: um homem de trinta anos que trabalha muito e dorme pouco morando em uma pensão de tamanho desconfortável.

Porém, recentemente, como um sinal de alguma força superior, fui surpreendido pela visita de um réptil escamoso, personagem tão frequente em minhas fantasias infantis. Ele preferiu, entretanto, não bater à porta e achou mais interessante - talvez em uma tentativa de me surpreender, o espertinho - procurar abrigo em meu banheiro. Foi uma boa decisão por parte daquele dragão, afinal o meu banheiro (um dos três cômodos de minha humilde casa) era aconchegante e úmido, assim como um ninho de dragão.

A fera era perigosa e exibia as presas assim que eu tentava me aproximar. Não arrisquei nenhum tipo de contato que não fosse visual, pois o próprio vislumbre daquela criatura já era assustador. Fui obrigado a usar o banheiro do vizinho por dias, sob o pretexto de que o meu estava "com problemas", para não enfrentar o monstro mitológico que tinha se mudado para debaixo de meu chuveiro.

Mas como em toda história de cavaleiro onde há um dragão, há também uma princesa. Em uma de minhas idas ao supermercado, me deparo com uma antiga colega de escola, Ângela. Era grande meu fascínio e admiração por aquela donzela (na época de escola era uma donzela, nos dias de hoje não sei dizer), por isso não hesitei em pedir seu número de telefone. Minha empreitada romântica com Ângela teve sucesso e depois de um encontro caloroso cheguei a convidá-la aos meus aposentos, sem me preocupar em qual seria sua reação ao se deparar com a modéstia de meu lar.

Somente chegando em casa fui me lembrar da presença de um dragão em meu banheiro. É de se estranhar que alguém se esqueça de um convidado tão ilustre, mas conjecturo que eu estava sob o efeito da "embriaguez do amor", como chamam os poetas, para não me recordar da fera que ali residia.

- Vamos para o seu quarto? - Ângela perguntou retoricamente, passando seu dedo indicador em minha testa suada, gesto seu que denotava intenções obviamente sexuais, mas pobre da moça mal sabia que a poucos metros de onde estávamos havia um dragão.

O suor em minha testa era, claro, fruto de meu temor. Mas, como um bom cavaleiro, nada temia. Naquele instante, ressuscitei todas as fantasias que eu tinha quando criança. Limpei o suor da testa e pedi que Ângela se afastasse. Fui à minha "cozinha" (a sala de estar e cozinha eram no mesmo cômodo) e da gaveta tirei uma faca de lâmina afiadíssima, aquisição recente que eu tinha feito com o único propósito de cortar cebolas, agora seria o instrumento heroico de abater dragões.

- O que está fazendo? - a moça novamente me indagou, dessa vez com uma expressão assustada, talvez pensando que ela fosse a vítima. Acalmei-a e a informei sobre minhas intenções com aquela arma. Em seguida, me dirige ao banheiro (uma jornada de três metros) e abri a porta, meu braço já em posição de ataque. Ângela estava atrás de mim.

A fera estava lá, terrível como sempre. Ela abriu sua boca, pronta para soltar a labareda de fogo ardente, pude sentir o ar esquentando, mas não conseguiu, fui mais rápido. Penetrei com minha faca em seu pescoço carnudo e escamoso, a besta se contorcia como uma serpente, o grito de dor era de doer os ouvidos. Continuei golpeando meu inimigo. Ângela só não gritava porque tinha a mão na boca, a pobre incrédula.

A cena terminou somente com a queda do dragão sob sua poça de sangue frio. Larguei a minha espada, embora parecesse mais uma faca, e me aproximei de minha princesa.

Beijei Ângela, como um cavaleiro que conquista o coração da bela donzela. A expressão de horror no rosto da moça sumira. O resto da noite não precisa ser contado. O cavaleiro vencera o dragão e se tornara um herói lendário.

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