21 de março de 2020

Urubus


Seu Jacinto olhou para a sua roça pela janela de sua casa. A roça era pequena, alguns metros quadrados no fundo de seu quintal, mas era motivo de orgulho para o velho senhor. Lembrava-se de um tempo em que aquilo tudo significava muito mais para ele.

Analisou as paredes da casa, tocando-as com as suas mãos morenas e enrugadas. O reboco desgrudava-se dos tijolos, revelando a fundação rústica da antiga residência. Ali já fora um dia tudo para seu Jacinto, aquele velho homem. Ali tinha nascido e crescido, tinha brincado com os irmãos, brigado com os irmãos, tinha construído sua família de seis filhos, um lugar apertado mas bom para se viver.

Agora parecia uma ruína.

Jacinto saiu. O sol torrava a sua pele e o silêncio era agonizante. A vegetação ao redor da sua casa, uma floresta de árvores retorcidas e escuras, ainda mais com a dúzia de urubus sobrevoando o terreno em busca de alguma carniça que Jacinto suspeitava ser ele mesmo, davam ao ambiente uma natureza infernal e deprimente. Tudo parecia morto. Mas seu Jacinto lembrava-se de quando aquilo era tudo vivo.

Lembrava-se de quando o seu pai o levava para trabalhar na roça do seu Antônio, milhas dali. Lembrava-se da primeira vez que montou num cavalo, de quando casou-se, de quando teve o primeiro filho. Tudo naquela casa. Mas agora estava vazia. Seus filhos todos tinham viajado para a cidade e sua mulher já tinha falecido.

Entrou e voltou com uma enxada. Estava tudo morto, mas seu Jacinto não aceitava. Pisou na roça e começou a roçar e roçar, como fazia na juventude. Roçou até seus braços tremerem, até começar a suar como um porco e a lacrimejar como uma criança.

De repente, caiu no chão, derrotado. Seu Jacinto olhou para o céu, os urubus estavam descendo.

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